Conheci o futebol de botões
quando estava com onze anos de idade. A apresentação foi na residência de meu
colega de escola, Marco Antônio Barão Vianna. Era um torneio entre o pessoal
que estudava na Escola Normal Duque de Caxias. Marco Antônio jogava com um time
pequeno de São Paulo. Não lembro se era Comercial ou Ypiranga, mas as suas
cores eram branco e preto. Ele possuía uma caixa com um grande distintivo desenhado.
Ao mostrar seus botões, enfatizava seus titulares elogiando o seu potencial em
detrimento de alguns que eram considerados reservas. Conseguiu me contagiar com
o seu costumeiro entusiasmo.
Era meu colega de carteira. Como
tinha um pouco de dificuldade em responder perguntas rapidamente, devido a uma
gagueira que o atormentava, solicitava que eu respondesse a chamada em seu
lugar. Como o meu nome era sempre o primeiro e ele estava no meio da lista, não
havia problema algum. Era um grande amigo. Ensinou a lixar os botões e dava
conselhos sobre como jogar.
Meus primeiros craques foram
surrupiados dos paletós e sobretudos de meu avô. E comigo, o pessoal da minha rua passou a
jogar botão. A mesa mais perfeita estava na casa do Renato Toni, onde, com seu
irmão Reni, passávamos tardes e parte da noite jogando. O Renato foi o meu
primeiro parceiro no futebol de mesa. Sabia lixar os botões e preparava
goleiros de madeira, semelhantes aos atuais da Regra Brasileira. Só que os que
ele confeccionava tinham a rebarba para encaixar as bolinhas. Como ele morava
na frente de uma oficina de reparos e pintura de carros, aproveitava para
pintar os goleiros, deixando-os muito bem acabados.
Como os nossos campeonatos nunca
terminavam, resolvemos, aos domingos, excursionar pelos bairros, jogando contra
outros botonistas que conhecíamos. No bairro de Lourdes, jogávamos contra a
turma do Puccinelli; perto do campo do Juventude, na casa do Rui Pratavieira;
em São Pelegrino, visitávamos o Vanderlei Prado. Todos eles tinham boas mesas.
Ainda, sempre que podia, visitávamos o José Roque Aloisie, cujo pai era
alfaiate e morava na frente da Livraria Saldanha, jogando na mesa que ele usava
para cortar os ternos de seus clientes.
Um dia, sem explicação, rompemos
a amizade. Até hoje não sei o que houve e depois de tanto tempo, já não faz
diferença. Ficamos sem jogar por um tempo. Foi aí que apareceu o Vasco Balen,
que ofereceu uma sala num prédio de seu pai. A sala estava desocupada e nós
levamos nossa mesa para lá. Jogavam conosco o Mansueto Serafini Filho, Sérgio
Gobetti, Ítalo Bazzo, Lyon Kunz, Luiz Felipe Kunz Neto, Vilson Tomazi e aparecia
por lá, para assistir aos jogos, um
garotinho chamado Marcos Fúlvio de Lucena Barbosa. Durou pouco a nossa alegria,
pois o pai do Vasco descobriu que estávamos usando a sala e nos expulsou de lá.
Já havia aparecido em nosso meio
os botões puxadores. Cada um de nós procurava munir-se de dinheiro para comprar
todo o craque que aparecia. Eu já tinha meu time montadinho e fiquei triste,
pois não tínhamos mais um lugar para jogar. As brincadeiras mudaram e os botões
ficaram um pouco de lado.
Foi então que conheci o Enio
Chaulet. Grande jogador de botão e que possuía uma mesa maravilhosa, idêntica à
mesa utilizada na Regra Brasileira. Para montá-la, necessitavam de dois
botonistas forçudos. Eu era um deles, pois estava sempre na casa do Enio. Ele
morava na frente da Caixa Econômica Federal; na parte de cima de um Café Bilhar
famoso de Caxias. O pai do Enio era dentista e na frente de seu consultório
havia uma enorme sala, onde colocávamos a mesa e passávamos dias inteiros
jogando.
Meu pai, por essa época, havia
comprado uma casa no Bairro Pio X. Estava agora morando longe do centro, sem a
possibilidade de frequentar os locais onde jogava frequentemente. No Bairro Pio
X, encontrei um rapaz, cuja mãe era doceira com especialidade em fazer cocadas.
Com isso as cascas de coco eram aproveitadas por ele, que fazia excelentes
botões. Comprei um time inteiro dele. E, esse time foi ornamentado com uma
fotografia do Vasco da Gama, pois recortava os rostos dos jogadores e colava em
cima dos botões. Aquilo era uma novidade entre os botonistas da época. Meus
botões eram reconhecidos pelos meus adversários. Ainda lembro a escalação:
Barbosa, Augusto e Wilson, Eli, Danilo e Jorge, Friaça, Maneca, Ademir,
Ipojucan e Chico. Foi nessa época que comecei a jogar com os colegas de
ginásio: Marcos Lisboa, Roberto Grazziotin, Delesson Orengo, Giovanni Zanetto. O Marcos Lisboa era um excelente fabricante
de botões, pois tinha um torno mecânico e com ele fazia maravilhas.
Transformava um botão sem valor em uma peça rara, super cobiçada por diversos
botonistas. O Delesson era um perfeccionista e tinha uma variedade imensa de
botões. Foi uma das únicas pessoas que possuía um time do São Cristóvão, do Rio
de Janeiro.
Em todo esse tempo, dos onze aos
dezessete anos, jamais organizamos um campeonato com tabelas, com súmulas, com
troféus. Nem mesmo anotávamos nossos jogos, o que foi uma lástima, pois deixei
de registrar uma parte importante de minha vida e que deu origem ao que sou
hoje. Com dezoito anos, passando pelo quartel, namorando, noivando e casando, o
futebol de mesa ficou guardado em caixas. Mesmo assim, sempre que havia oportunidade,
eu jogava sozinho em casa, pois havia conseguido uma mesa emprestada e que
pertencia a um primo de minha ex-esposa. Nos primeiros anos de casado, eu
trabalhava na Indústria Metalúrgica Gazola. Como jogava futebol, fiz muitas
amizades e entre elas com o Adão, ponteiro direito da empresa, que era torneiro
mecânico de alto valor. Encontrei uma placa de acrílico de cor amarela.
Conversei com o Adão e ele pediu que eu lhe mostrasse um botão. Levei um
atacante e entreguei ao Adão. Com ele, riscou o acrílico e cortou em quadrados
e fez vários botões todos idênticos. Fiquei com um bom estoque de atacantes,
mas faltavam botões de defesa. Fui trocando com antigos botonistas e consegui
quase fechar um time de alto gabarito. Faltava um centro avante matador. E esse
veio, pois ganhei de presente de um colega do curso de Contabilidade. Raul
Stalivieiri me deu um centro avante preto que foi batizado de Victor e foi
goleador nos meus dos campeonatos na AABB.
Já nessa ocasião eu trabalhava
como contador na empresa Claumann & Cia. Ltda. Foi nessa empresa que
conheci o Vanderlei Duarte, pois escutei uma conversa dele no balcão, falando
sobre futebol de mesa. Saí do meu escritório e fui participar da conversa, pois
acendeu uma luzinha em minha cabeça. Combinamos realizar algumas partidas, pois
jogávamos na Faculdade de Ciências Econômicas. Alguns dias depois, Vanderlei
disse que tinha uma surpresa para mim. Entregou-me
um goleiro todo em listras amarelas e azuis que havia sido meu, no tempo em que
jogava na casa do Enio Chaulet. Pensei comigo: - Por onde andou esse goleiro,
nesses anos todos. Foi incorporado ao time, que agora não era mais Vasco da
Gama e sim Grêmio Esportivo Flamengo, atual SER Caxias do Sul.
Foi então que fui aprovado no
Concurso do Banco do Brasil. E para a minha alegria, encontro um Departamento
de Futebol de Mesa. Foi demais. A partir do momento em que me apresentei ao
diretor do Departamento, Raymundo Antônio Rotta Vasques, senti-me com onze anos
de idade. Já tinham se passado quatorze anos desde a apresentação ao futebol de
mesa e somente agora eu começaria a jogar para valer. Joguei o meu primeiro
campeonato com uma gana, com um desejo de ser campeão que, confesso, foi algo
emocionante quando venci a última partida, derrotando o meu amigo Paulo Luís
Duarte Fabião. Foi o meu primeiro troféu e, talvez, o mais emocionante de todos
que já ganhei.
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Primeiros troféus - recebidos a 51 anos |
Por essa razão eu gosto tanto do
futebol de mesa. Por ele trabalhei para completar o meu sonho que foi crescendo
com o tempo. Acredito que se voltasse no tempo, faria tudo isso novamente, com
uma única diferença. Jamais venderia botão algum, pois hoje tenho saudade
daqueles puxadores que me deram tantas alegrias, dos goleiros que passaram
pelas minhas mãos, dos diversos times que doei e com os quais tinha conseguido
glórias. Fui campeão caxiense em 1969, com um time de paladon branco e não
tenho mais esse time, fui bi- campeão da AABB com um time de puxadores
especiais e vendi esse time. Guardo ainda o time com o qual fui campeão
Olímpico Bancário de Caxias do Sul, o time que me deu três campeonatos em
Brusque. Mas, acredito que a saudade também deve fazer parte de nossa história
e, com toda a certeza, esses botões que saíram de minhas mãos deram alegrias a
quem os possui na atualidade.
Um dia, espero ainda fazer e
organizar um museu de botões. Em minhas mãos está o primeiro time que veio para
o Rio Grande do Sul, fabricado na Bahia, em 1966. Tenho um time que pertenceu
ao Geraldo Décourt, o criador da regra de futebol celotex, em 1930; possuo
times da Regra Pernambucana, Regra Fogo Tebei, Rega Unificada, Regra Gaúcha,
Regra de Doze Toques, Regra de Três Toques, Botões de vidrilhas, Botões de
plástico, enfim, algo que será muito interessante e que quase foi parar no
Museu que a Federação Paulista estava organizando em 2000, através de seu
presidente Antônio Maria Della Torre. Nesse ano, mais precisamente em 27 de
setembro de 2000, o coração desse amigo deixou de funcionar e o futebol de mesa
perdeu um grande impulsionador.
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Primeira foto em um campeonato oficial disputado |
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Primeira foto em um Brasileiro |
Mas, os sonhos continuam e estão
sendo realizados. Cada um no seu tempo.