Essa
é a segunda vez que tento escrever essa coluna de despedida. Confesso que estou
ainda sob o efeito do uísque que, inutilmente, tentava fazer esquecer as
passagens de nossas vidas que nos uniram como irmãos. Ele nascido em Veneza e
eu em Caxias do Sul. Nem por isso deixamos de ser irmãos, pois a força que Deus
impregnou dentro de nossos corações nos transformou em membros da mesma
família. E isso acontecia naturalmente, pois em minha casa e na dele, entrávamos
e saímos com a maior naturalidade como se estivéssemos no seio da família que
nos trouxe ao mundo.
![]() |
Sambaquy e Zanetto ladeando duas lindas colegas da época |
Nossa
vida começou ainda nos bancos escolares, quando juntos estudávamos e sofríamos
nas provas e exames. Mas, levávamos tudo na maior esportividade. Juntou-se a
nós o Moacyr Boff, o qual foi convidado a afastar-se do Carmo, vindo para a
Escola Normal Duque de Caxias. Formou-se a maior trinca daqueles tempos, pois
onde estava um estavam os três.
Lembro
ainda de minha cirurgia de apêndice. No Hospital Del Mese, meus dois irmãos
fizeram com que a minha mãe fosse para casa, pois eles iriam cuidar de mim. À
noite, com sede pedi água, mas o médico havia recomendado que nada me fosse dado.
Eles, além de negarem, ainda me faziam sofrer, pois bebiam os copos com água e
a derrubavam pela janela. Foi então que acionei a enfermeira e ela, acordada na
madrugada, com a cara de braba mandou que eles me dessem água. O resultado foi
que acabei passando mal. Mas, éramos unidos e isso é o que valia. Foram os
irmãos de minha vida que Deus me deu de mão beijada para os melhores anos de
minha vida. Fazíamos tudo juntos: escoteiros, futebol e escola.
O
tempo passou. Crescemos. Eu consegui passar no concurso do Banco do Brasil e
ele no Banrisul. Foi a primeira separação em nossas vidas. Mesmo assim
estávamos sempre juntos, pois continuamos a estudar, primeiro na escola de
Contabilidade do Carmo e depois na Faculdade de Ciências Econômicas. Seguimos
sempre juntos em nossa vida.
O
Giovanni nunca foi um ferrenho botonista. Jogávamos de vez em quando. Junto
conosco estudava o Delesson Pavão Orengo. Esse era um fanático botonista. Em
sua casa, jogávamos e brigávamos
seguidamente, mas logo após estava tudo bem.
Os
nossos locais de trabalho acabaram nos afastando sem, no entanto, perdermos a
amizade jamais. Ficamos distantes. O Moacyr foi morar em Curitiba e o nosso
time de futebol esmoreceu e acabamos nos afastando. Outras pessoas tocaram o
time e nós passamos a nos aventurar na noite. Lembro ainda de namoradas que
conseguíamos em diversos lugares. Em Taquara, terra natal de meu pai, duas
meninas que paquerávamos nos convidaram para um baile comemorativo na cidade.
Seguimos para lá e nos hospedamos em um hotel. Fizemos o maior sucesso. Mas,
éramos dois rapazes sem recursos financeiros. Terminado o baile, no dia
seguinte nos despedimos e de ônibus voltamos para Caxias. A vida seguia assim.
Com
a minha vinda para Santa Catarina, perdemos um pouco o contato. Eu tive de
reconstruir a minha vida e ele a dele. Depois de alguns anos, radicado por
aqui, um amigo em comum me convidou para um jantar em um clube. Disse que faria
uma surpresa. Fiquei curioso e fui. E lá estava o Giovanni, sua esposa, sua
irmã Gineta e o marido Adair. Foi uma emoção enorme para mim. Voltei aos tempos
de minha juventude, convivendo com aquelas pessoas que me conheceram tão bem em
épocas idas. Depois disso, encontros foram mais constantes. Além disso, as
meninas de nossa turma de ginásio faziam encontros, nos quais eu comparecia e o
encontrava sempre alegre e satisfeito.
Foram
mais de sessenta anos de amizade, de irmandade, de comunhão de pensamentos
entre nós. Na última, ano passado, quando pude comparecer e disputar, mesmo que
sem condições, o torneio Laborcordis na AFM, ele não compareceu. Fiquei
frustrado, pois era a minha referência a sua presença. Afinal, era o meu irmão
que restava, pois o Moacyr havia falecido em Curitiba. Alegando que devia estar
em tratamento no Hospital, não pude encontrá-lo.
Voltando
para casa, mantive contatos telefônicos com ele, quase que semanalmente. Senti
então que estava se despedindo dessa vida, pois sua voz, antes tão sonora e
displicente, agora era bastante agastada. Aproximei-me de sua esposa, a querida
cunhada Solange, que me deixou a par da triste situação que meu irmão estava
atravessando.
Na
última vez que conversamos, prometi-lhe que iria a Caxias para, em sua casa
tomar um café. Foi então que o meu dermatologista resolveu retirar uma ferida
cancerígena de meu tornozelo esquerdo. Achei que aquilo seria fácil, mas
complicou e, com isso, por mais de um mês fiquei em prisão domiciliar. Até que,
na sexta feira, às 0h36 minutos a minha querida cunhada Solange me liga para
dizer que meu querido irmão havia terminado sua missão no plano terrestre e
partira. Que choque! As lágrimas brotaram em meus olhos e a minha sensação de
impotência diante do quadro se fez anunciar. Perdera o meu irmão, o irmão que não
nascera em meu lar, mas que fora entregue por Deus aos meus cuidados e que
marcara a minha vida com sua amizade. Faltou-me o chão e a noite foi longa e
difícil. Giovanni Zanetto foi cremado no dia seguinte e deixou para nós, que
ficamos, um legado de grandes realizações e uma amizade maravilhosa.
Tenho
certeza que Nosso Pai o acolheu e o juntou ao Moacyr, os quais, espero, estejam
me aguardando para restaurarmos a famosa trinca dos anos cinquenta.
Senti-me
triste por não ter tido a chance de me despedir de meu irmão, mas ao mesmo
tempo, recordando dele, vejo-o lépido, faceiro, cheio de saúde e amigo de todas
as horas. Vejo-o como sempre o vi. Saudável e sempre pronto para uma nova
aventura, coisa que diariamente fazíamos em nossa juventude. Saudade é uma dor
que machuca, mas, ao mesmo tempo, é algo que nos faz
reviver o impossível, aquilo que já aconteceu e nunca mais se repetirá, a não
ser em nossa mente.
Com
saudade e lágrimas, até a semana que vem, se Deus assim permitir.
Meu caro Sambaquy. Assim é a vida. O tempo vai passando e a cada dia vemos aproximar o fim da estrada. Olhamos para trás e sentimos toda a felicidade do mundo por sabermos que nossa longa caminhada não foi em vão. Fizemos amigos, demos e recebemos amor, construímos um lar, nos realizamos em vida. Esse é o destino de está reservado a cada um de nós nessa efêmera passagem. A vida segue seu rumo até o momento do juízo final. Fica a certeza: fomos, somos e seremos felizes, para todo e sempre. Meus sentimentos, com um fortíssimo abração pernambucano.
ResponderExcluirMeu amigo Abiud.
ExcluirEstamos fazendo uma grande viagem de trem, onde as pessoas embarcam e desembarcam em cada estação. Por vezes, pessoas caras a nós desembarcam e ficamos com saudade, mas afastados para todo o sempre. Um dia qualquer seremos obrigados a deixar o trem e pisar em outra dimensão, onde talvez possamos nos reunir com os que nos deixaram. Essa é a esperança que nutrimos. Mas, a dor da saudade, que não mata, fere muito o nosso coração.
Abração gaúcho/catarinense.
Querido Sambaquy... ao ler sua postagem vem ao meu peito um misto de tristeza e ao mesmo tempo admiração! Tristeza em solidariedade ao seu sentimento, e também, como deves lembrar perdi peu pai a aproximadamente 2 anos, a distância que era comum a relação de vocês encontrava-se entre eu e meu pai, a dor ainda faz parte do meu cotidiano...
ResponderExcluirA admiração a qual eu me referi, é pela amizade que vocês compuseram ao longo dessas várias décadas, amizade tamanha a qual só é possível entre irmãos...
Mais uma vez, como já foi de costume e suas postagens anteriores, parabéns pela sabedoria em transpôr em palavras sentimento tão puro e belo!
Que Deus te ilumine e guarde.
TFA
Meu querido Gelson. Obrigado por entenderes a ausência de alguém que fez parte de nossa vida de uma forma muito forte, como se fosse o irmão que não tive. Talvez possamos voltar a nos encontrar, claro que em uma dimensão diferenciada, pois eu acredito nisso e reviver os momentos felizes de uma juventude em que a amizade era um marco de glória e realização. Você teve seu pai e o Robson, os quais acompanharam a sua caminhada e sabe muito bem o quanto isso é importante para a formação da pessoa que somos. Agradeço a sua manifestação e fico feliz em saber que comungamos de um mesmo ideal. TFA.'.
ExcluirQuerido Sambaquy, meus pêsames em relação ao teu amigo GIOVANNI ZANETTO, recebe minhas sinceras condolências em solidariedade a ti. Muito comovente a descrição da amizade de vocês e dos momentos tão bonitos e preciosos de parceria e companheirismo.Sinto muito pelo teu tornozelo e as complicações advindas. Espero que estejas melhor e fiques bem saudável para estar por muito tempo agraciando todos com relatos vindos da tua memória fantástica da história do botonismo e, principalmente, trazer a valorização da memória de pessoas queridas. Abraços.
ResponderExcluirMinha querida Aninha,
ExcluirAcredito que esse ano tem sido o mais dificil dessa minha longa vida. Nos últimos meses perdi três grandes amigos, um em Brusque, onde morei por 24 anos, seu pai em Florianópolis e agora esse irmão de coração em Caxias do Sul. Isso não tem reposição, restando apenas as boas lembranças dos dias felizes que passamos juntos. Quanto ao tornozelo está quase sarado. O susto sempre é maior do que as dores. Se Deus permitir ainda quero falar muito sobre coisas que foram vividas pelos meus amigos e por mim.
Um beijo em seu coração maravilhoso, coisa que herdaste de seu pai.
Sambaquy
Ola sr. Adauto, desculpe usar este topico, mas tentei entrar em contato pelo email e não consegui. Meu nome é Eduardo Serpa, sou de Brusque. estou montando um acervo historico sobre a politica brusquense, um arquivo com os santinhos ( propagandas politicas ) dos candidatos a vereador e prefeito do municipio. vc foi candidato em 1996 e não tenho seu santinho no acervo, gostaria de saber se voce tem guardado um panfleto e se poderia me conceder uma copia dele , caso não tenhas duplicado. sua presença no acervo é muito importante. agradeço MEU EMAIL eduflorestal@bol.com.br
ResponderExcluirEDUARDO SERPA