Sei que muita gente vai refutar
essa ideia, mas vou seguir adiante. A Federação Riograndense de Futebol de Mesa
foi fundada em 1961 por Lenine Macedo de Souza. Logo após a consolidação dessa
Federação, Lenine passou a um plano mais ousado e ajudou a fundar as Federações
de São Paulo e Minas Gerais. No Rio Grande do Sul, onde foi criada a primeira federação
da modalidade no país, Lenine comercializava o material que fabricava em sua
empresa, próprio para a Regra Gaúcha. Vendia mesas, botões e bolinhas. E fazia
isso com uma habilidade espantosa. Promovia, através da imprensa, as visitas
que faria a determinada cidade, mostrando a beleza do futebol de mesa
regulamentado. E, assim, ia vendendo os seus produtos, como o fez em Caxias do
Sul, quando realizou uma demonstração no Recreio Guarany. Vendeu mesas, times e
bolinhas para a Associação Atlética Banco do Brasil, Associação Banrisul e
Recreio Guarany. Tudo fazia crer que, a partir dessa compra, teriam os
caxienses direito a jogar os campeonatos promovidos pela Federação. Com o êxito
dessas vendas que realizava, partiu para outros centros e ajudou, com o seu
conhecimento, na criação de Federações. Fez isso com os paulistas e com os
mineiros. Mas, apesar de toda a sua boa vontade, tendo inclusive organizado um
campeonato brasileiro em Porto Alegre, em dezembro de 1962, conforme reportagem
da Folha Esportiva, recebeu da Metalúrgica Abramo Eberle, de Caxias do Sul a
premiação para o referido campeonato. Foram 20 taças e 20 medalhas que seriam
disputadas em quatro categorias entre Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas
Gerais. O campeonato deveria ser realizado na Regra Gaúcha, o que não foi
aceito pelos paulistas e mineiros, já que ambos jogavam com bolinhas redondas e
em regras diferentes e, por essa razão, não compareceram. Acabou esse
campeonato se transformando em um torneio entre gaúchos.
Em 1963, quando iniciei minha
carreira no Banco do Brasil, tomei conhecimento da existência de um
Departamento de Futebol de Mesa. Lá encontrei a mesa oficial da Regra Gaúcha,
dois times de plástico, da marca Lione e várias bolinhas usadas nessa regra.
Como eu já havia formado um time com botões de galalite, não me interessei
pelos botões comprados pela AABB, os quais eram utilizados por quem não possuía
time e desejava jogar. E assim, por dois anos ficamos realizando o nosso
campeonato interno, da mesma forma que o Banrisul realizava os seus; o
Sindicato dos Bancários promovia o campeonato bancário da cidade e, todos
juntos, aproveitando a sede do Sindicato, realizávamos o campeonato caxiense.
Mas, não éramos convidados para participar dos campeonatos estaduais, os quais
tiveram o seu início naquele mesmo mês de dezembro de 1962, em substituição ao
Campeonato Brasileiro. Em viagem a Porto Alegre, procurei o então presidente da
Federação, Dr. Renato Ramos, o qual me orientou para que criássemos uma
entidade que congregasse as agremiações da cidade. Foi então que fundamos a
Liga Caxiense de Futebol de Mesa em 12 de junho de 1965.
 |
Nosso primeiro campeonato, realizado em 1963, na
Regra Gaúcha. Paulo Fabião enfrentando Adauto Sambaquy. Árbitro
Raymundo Vasques |
O primeiro campeonato estadual a que
participaríamos seria em dezembro de 1965. Partimos de Caxias, carregando o
nosso campeão Deodatto Maggi e o nosso associado Sérgio Calegari. Iríamos conhecer
outros botonistas. O campeonato, segundo a programação recebida, seria na sede
do Clube Piratas. Rumamos para lá e tivemos a grande decepção de verificar o
descaso da Federação, pois o campeonato estadual a que tanto ambicionávamos se
resumiria em uma partida entre o campeão de Porto Alegre: Paulo Borges e o de
Caxias: Deodatto Maggi. Sérgio Calegari foi o árbitro do jogo e eu o único
assistente. Questionamos a ausência de outras cidades, mas não recebemos
respostas convincentes. Paulo Borges sagrou-se campeão gaúcho de 1965 e
Deodatto Maggi o vice. Não houve solenidade alguma, nem entrega de troféus,
muito menos a presença de responsáveis pela Federação Riograndense de Futebol
de Mesa.
No ano seguinte, ao comemorarmos
o nosso primeiro aniversário, realizamos um torneio em nossa cidade que acabou
tornando-se um Torneio Interestadual. Contamos com a participação de botonistas
de Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Caxias do Sul e, especialmente, os
convidados Oldemar Seixas e Ademar Carvalho, baianos de Salvador. Desfilaram
nas mesas Paulo Borges (campeão gaúcho), Clair Marques (campeão de Rio Grande),
Gilberto Ghizi (Presidente da Federação Riograndense), Vicente Sacco Netto (representando
Pelotas), Claudio Saraiva, Sergio Duro e Cláudio Bittencourt (todos de Porto
Alegre) e os caxienses Deodato Maggi, Marcos Lisboa, Vanderlei Duarte, Carlos
Valiatti, Paulo Valiatti, Raymundo Vasques, Sérgio Calegari, Sérgio Silva e
Adauto Celso Sambaquy. Após a entrega dos troféus do Torneio, os dois baianos
realizaram, em uma mesa especialmente construída para a ocasião, a partida que
mudou os destinos da unanimidade da Regra Gaúcha em território sulista.
Gilberto Ghizi se apaixonou pela maneira eficiente demonstrada pelos baianos,
no que foi acompanhado por todos os presentes. O sucesso desse torneio fez com
que Gilberto solicitasse que a Liga Caxiense fosse a promotora do campeonato
estadual de 1966. Isso nos aproximou bastante da direção da Federação e,
juntos, realizamos um anteprojeto, mesclando as Regras Gaúcha e Baiana em suas
partes boas, extirpando aquilo que julgávamos absurdo em ambas. No mesmo tempo em
que trabalhávamos nesse anteprojeto, propusemos que o campeonato estadual que
realizaríamos seria em três categorias: infantil, juvenil e adulto, o que foi
aceito pelo Gilberto Ghizi. Em 17 e 18 de dezembro, no Colégio Nossa Senhora do
Carmo, conseguimos reunir as cidades de Porto Alegre, Rio Grande, Arroio
Grande, São Leopoldo, Rosário do Sul e Caxias do Sul. Na categoria adulta, o
campeão foi Carlos Saraiva (Porto Alegre), vice: Fausto Borges (São Leopoldo),
3º Paulo Valiatti (Caxias do Sul); quarto Clair Marques (Rio Grande). Na
categoria juvenil, o grande campeão foi Gerson Garcia (Rio Grande), ficando
Mauro Borges (Rosário do Sul) em segundo; Airton Dalla Rosa (Caxias do Sul) o
terceiro e Luiz Elodi (Porto Alegre) quarto colocado. Na categoria infantil, o
campeão foi José Roberto Sobreiro (Porto Alegre) Almir Manfredini (Caxias do
Sul) o seu vice-campeão.
No ano seguinte, poucos dias após
esse campeonato, a Regra Brasileira foi aprovada em Salvador. Apesar de haver sido discutida no campeonato
estadual, apresentada que fora pelo Gilberto Ghizi e aprovada por todos os
presentes, a resistência à mudança foi incrível. Os dois gaúchos que
participaram de sua confecção foram taxados de traidores e houve um golpe de
estado na Federação, quando Lenine, que estava afastado, retorna e destitui
Gilberto Ghizi da presidência. Declarada guerra à Regra Brasileira que,
entretanto fora aceita em Caxias do Sul e dali para todo estado, através de um
trabalho minucioso de demonstração, exibição, torneios e muitas viagens. Isso
fez com que a Federação Riograndense se motivasse e marcasse para Rio Grande o
próximo campeonato estadual. Clair Marques ficou encarregado de arrumar o local
e no dia aprazado, com queima de fogos de artifício, vários carros fizeram uma
passeata pela cidade, promovendo o futebol de mesa na Regra Gaúcha. Só que
havia modificações na regra, impostas pelo lado comercial do Lenine. Em cada
competição promovida pela Federação, o botonista deveria retirar de seu time
cinco botões, substituindo-os por cinco botões da fabricação Lione. Isso não
foi aceito pela grande maioria dos botonistas da Regra Gaúcha, pois formavam
seus times com muito cuidado e atenção. Escolher cinco e substituí-los de
última hora foi um tiro n´água. Mas, o perigo maior que os praticantes da Regra
Gaúcha enxergavam era o crescimento da Regra Brasileira no estado. Por essa
razão, a partir de então realizaram mais competições, procurando mostrar a
força do futebol de mesa pioneiro no estado. Realizaram campeonatos estaduais
em diversas cidades, difundindo a Regra Gaúcha.

O primeiro campeonato estadual
realizado na Regra Brasileira no estado foi em 1973. A cidade de Canguçú, com a
chegada de Vicente Sacco Netto, resolveu sediar a competição, inédita até
então. Foi um sucesso absoluto. Na ocasião, por proposição nossa, foi criada a
União de Ligas de Futebol de Mesa da Regra Brasileira no Estado do Rio Grande
do Sul. Ela se tornaria o embrião da atual Federação Gaúcha de Futebol de Mesa.
O detalhe é que não queríamos, de maneira alguma, interferir com a Federação
Riograndense já existente. Ela seria a primeira e nós seríamos uma entidade que
reuniria apenas os simpatizantes da Regra Brasileira.
O tempo passou e a Federação
Riograndense fechou suas portas. Foi então que o grupo que geria a União de
Ligas adonou-se da sigla e criou, mudando o nome para Federação Gaúcha de
Futebol de Mesa.
 |
Flâmula do Estadual de Canguçu - 1973 |
 |
1º Estadual de Canguçu (Regra Brasileira) -1973 |
 |
2º Estadual em Jaguarão (Regra Brasileira) -1974 |
A pergunta que deve ter ficado no
ar: As duas regras se ajudaram? Eu acredito que sim, pois foi de nossa parte
uma luta limpa e justa. Nunca atacamos a Regra Gaúcha, que foi onde iniciamos.
Nós sempre primamos pela grandeza do futebol de mesa, nunca tivemos interesse
comercial para defender. A luta, entretanto, fez com que a Regra Gaúcha
crescesse bem mais do que antes e se tornasse uma regra com grandes botonistas,
evitando perder espaço para a Regra Brasileira. Ao mesmo tempo, nós estávamos
fazendo o nosso trabalho e vendo a aceitação se espalhar pelos diversos recantos
do estado, com a grata recompensa de mantermos, com botonistas de outros
estados, um intercâmbio valioso.
Hoje, depois de tantos anos
passados, vejo com alegria a participação de botonistas em ambas as Regras e
trocando mensagens amistosas, como sempre foi sonhado por nós. O futebol de
mesa é algo maravilhoso e deve ser compartilhado com fervor e amizade por todos
os botonistas. Tenho amigos maravilhosos na Regra Gaúcha e sempre que puder
ajudá-los o farei com maior carinho e dedicação.
 |
Confraria dos Lobos 2ª Copa na Regra
Gaúcha |
 |
FOSCA um grande praticante
das duas regras (Brasileira e Gaúcha)
|
Da mesma forma vejo as demais
Regras, que proliferam em nosso país continental, ganhando forças e realizando
competições maravilhosas em suas regiões. Futebol de mesa é algo que deve ser
encarado com amor e carinho, não importando a maneira pela qual seja praticado,
pois a ideia é sempre a mesma: desfrutar da amizade da pessoa que está do outro
lado da mesa, pois ela é adversária naquele momento e, nunca, inimigo.
 |
Miguel Oliveira joga nas
duas regras, sendo campeão brasileiro e campeão gaúcho
|
 |
Regra Gaúcha em 2011 |
Até semana que vem, se Deus assim permitir.