Essa história aconteceu há mais
de sessenta anos. Naquela época, jogava muito na casa do Enio Chaulet, o qual
tinha diversos times de botões puxadores. Entre eles havia um, quebrado pela
metade e que fora magistralmente colado. O Enio era perfeccionista e seus
botões eram imaculados, cuidadosamente polidos e o Coladinho estava ficando um
pouco de lado. Certo dia, perguntei se ele venderia o botão. Relutou em
desfazer-se do mesmo, até que estabeleceu um preço pelo mesmo.
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Coladinho - o botão goleador |
Ao saber o valor da transação,
solicitei-lhe que o guardasse, pois eu o compraria. Para isso necessitaria
juntar as minhas parcas reservas financeiras e me privar de matinês, lanches,
doces e picolés. Estava com 14/15 anos na época. Fui guardando as minhas
economias e, por fim, ataquei o cofre de moedas de minha mãe. Habilmente,
colocava uma faca na abertura que permitia a colocação das moedas, fazendo com
que algumas delas deslizassem para o meu bolso. Finalmente, o montante da maior
transação botonística daquela época estava em meu poder.
No sábado, dia que nos reuníamos
para jogar, desloquei-me até à casa do Enio. A primeira coisa foi negociar o
Coladinho. Com ele no meu time, senti-me como presidente do Real Madrid ou do
Barcelona. Um craque de alto valor que se reunia aos outros botões que faziam
parte de meu plantel. Naquele sábado estavam lá, além de nós dois, o Dario
Panarotto e um rapaz que era conhecido pela alcunha de Português. Jogamos um
torneio rápido e o Coladinho começou a fazer suas vítimas, pois não errava um
chute em direção ao gol. No final, o tal de Português fez um convite para
participarmos de um torneio que seria realizado em sua casa no domingo pela
manhã. O Enio, que era filho único teria de acompanhar a mãe assistindo à
missa, e o Dario teria de compensar o sábado, trabalhando no bar de seu pai no
domingo. O bar ficava na esquina da Igreja, defronte à Loja Magnabosco. Restou
somente o feliz proprietário do Coladinho. Aceitei o convite, afinal estava a
fim de mostrar a minha nova contratação a todos os botonistas caxienses, e a
oportunidade se apresentava, embora eu nunca houvesse jogado naquela casa. O
Português me informou que a mesma ficava ao lado do campo do Juventude,
solicitando que aparecesse cedo, pois estariam por lá mais cinco botonistas.
No domingo pela manhã, com a
minha caixinha debaixo do braço, desci a Rua Alfredo Chaves em direção ao campo
do Juventude. Ao chegar ao local, já se encontravam cinco rapazes que eu não
conhecia pessoalmente. Mas, quem gosta de jogar botão não escolhe adversário.
Fui enfrentando um a um e vencendo, fazendo com que a fama do Coladinho
aumentasse a cada novo gol conquistado. Fiz a partida final e venci. Foi então
que o pessoal veio me cumprimentar, rodeando-me e dizendo que eu deveria ir
jogar sempre com eles, enfim me bajulando, deixando-me no meio da roda. Eu me
senti um ás, um vencedor, apesar de que não havia troféu algum em jogo. Após essa
encenação, fui recolher meu time e... quase todos os botões ainda estavam em
cima da mesa. Olhei incrédulo, procurando pelo mais importante e ele não estava
lá. Faltava o Coladinho. Pedi que me devolvessem o botão que estava faltando.
Todos fizeram cara de surpresos, afirmando que ninguém o havia pegado. Reclamei,
insisti e perdi a paciência, chamando-os de bando de ladrões, salafrários,
dissimulados, desonestos. Até a mãe deles apareceu na sala para saber o que
estava havendo; ao saber do furto, simplesmente defendeu seus filhos e amigos,
dizendo que ninguém dali pegaria um botão. Mas, não era um botão, era o botão,
era o Coladinho, pelo qual eu fizera tanto sacrifício para ter em meu plantel.
Não aguentei mais e chorei. Juntei os restantes, colocando-os na caixa e saí
porta afora, soluçando, subindo a Alfredo Chaves, até chegar a casa, desolado.
Havia feito uma compra almejada, e o botão apenas dormira em minha caixa uma
noite. Fui roubado vergonhosamente. Nunca mais soube do Coladinho e também
nunca mais falei com aqueles gatunos. Perdi um botão que me dera em poucos
jogos imensas alegrias, mas me livrei de tornar-me amigo de pessoas desonestas.
Foi a minha primeira decepção no
futebol de mesa. Muitas outras viriam a acontecer, mas a primeira a gente nunca
esquece. Ao longo de minha vida de botonista tive decepções com pessoas que
considerava amigas e que traíram a minha confiança. Fui enganado por pedidos
dramatizados de botonista, dizendo que necessitaria de um empréstimo para
cobrir um cheque para poder internar sua mãe em um hospital, com promessa de
pagamento para dali a dias. Perdi dinheiro e o falso amigo. Graças a Deus eu
nunca fui escravo do dinheiro e o uso para o seu fim com honestidade. Nunca
deixei de cumprir minhas obrigações e acredito que continuarei assim até o fim
dos meus dias. Com isso mantenho a minha consciência tranquila e fico sempre em
paz na hora de dormir. Talvez, por essa razão eu sofra quando acontecem coisas
assim, pois sempre procurei ajudar aqueles que considero meus amigos e nunca
esperei retorno algum. Mas, pelo gigantismo que o futebol de mesa atingiu, não
podemos estar imunes de sofrer decepções como às que sofri. Sempre procuro
seguir à máxima que aquilo que fazemos aqui na Terra, pagaremos aqui mesmo. Por
isso, ainda espero um dia encontrar o Coladinho e render-lhe homenagem, colocando-o
em minha prateleira com um cartão de agradecimento pelos gols nos dois dias em
que esteve em minhas mãos.
Até a semana que vem, se Deus
assim permitir.
Meu caro Sambaquy. Nessa nossa vida de botonista passamos por algumas situações até certo ponto constrangedoras. No meu caso, ainda rapaz, tive surrupiado na casa de um amigo, dois botões brancos de chifre (Telê e Amorim). Ainda consegui reaver um deles (Amorim), mas Telê teve sumiço para sempre. Ouvi muitas histórias de furtos de botão e o danado disso tudo é que eles não mais reaparecem. Em 2003, no dia da inauguração da sala de botãobol, tive uma bolsa com todos os meus botões, surrupiados do meu carro, no estacionamento de um supermercado, entre eles um time de galalite com mais de 50 anos em meu poder. Imagine a tristeza! Mas a vida segue seu curso e hoje tenho mais de 1500 botões, distribuídos em 137 times e formando mais. Penso como você: quem aqui faz, aqui paga. O bom de tudo é que sabemos separar o joio do trigo. Um forte abração pernambucano.
ResponderExcluirAmigo Abiud. Por mais que a gente tente esquecer, são coisas que sempre incomodam. Você gosta de algo e alguém o surrupia maldosamente. O prejuizo é sempre de quem sabe valorizar o que tem. Sei que a pessoa que levou seu time de galalite que estava em seu poder há 50 anos, jamais terá o mesmo amor que você tinha. Enfim, quem aqui faz, aqui paga, com toda a certeza. E longe do joio para sempre, pois assim sabemos com quem andamos.
ExcluirUm abraço gaúcho/catarinense
LH.ROZA...
ResponderExcluirMeu amigo "AC.SAMBAQUY"...
Realmente sempre houve e continuará acontecendo fatos como esses, relados por "VC." e pelo ABIUD.
Quando inicie fazer certas "fichas" e "réguas",também aconteceram lamentavelmente nem sempre somos bem compreendidos.
Até +
Amigo Roza,
ExcluirÉ muito dificil separar o joio do trigo. Parecem iguais mas, o resultado final é bem diferente.
Infelizmente ainda existem muitos, que, ao invés de somar, dividem...
Até mais, meu amigo.
Muito boa história amigo,Sambaquy.Gostaria de inclui-la em minha edição revisada do meu livro,abs!!
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