segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O MUNDO NUNCA MAIS SERÁ O MESMO...

OLDEMAR SEIXAS - Na Rádio Cristal, onde apresentava seu programa "Bahia Campeão dos Campeões".
Quando Geraldo Décourt, em 1930, publicou seu livro de Regras do Foot-Ball Celotex, atingiu os botonistas do Rio de Janeiro, onde morava. Obras como o livreto de regras não saiam para muito longe de onde foram impressos. Eram vendidos em bancas de jornal, local onde Getúlio Reis de Faria adquiriu seu exemplar. Desejava, desde essa época, conhecer Décourt, pois viviam na mesma cidade sem, contudo obter êxito. Realizou esse sonho cinquenta anos depois, em 1980.
Depois disso foi a vez de Fred Mello lançar o seu “Jogo de Botões – regras e táticas”. Já o fizera em forma de livro, na década de 1950, e muitos deles saíram das fronteiras do Rio de Janeiro, propiciando a sua prática em várias regiões do país.
Mas, cada região tinha a sua própria regra. Surgia a gaúcha, a paranaense, a carioca, a paulista, a paraíbana, a pernambucana, a sergipana, o celotex paraense. Em cada lugar jogava-se de forma diferente, originando-se uma verdadeira “Torre de Babel” do futebol de mesa.
Foi então que a Revista do Esporte, editada no Rio de Janeiro, publicou, já nos anos sessenta, uma reportagem assinada por Oldemar Seixas, que mexeu com os brios de todos os botonistas brasileiros. Seu título era contundente: “Bahia dá lições de futebol de botão.”
5º campeonato brasileiro - Vitória ES
Choveram correspondências ao seu endereço. Do Rio Grande do Sul, Clair Marques e eu fomos os curiosos que duvidavam dessa possibilidade, afinal éramos filiados à Federação Riograndense de Futebol de Mesa, a pioneira do Brasil. Na minha correspondência ao Oldemar, enviei exemplar da Regra Gaúcha, botões e bolinhas, com fotos diversas.
A resposta foi quase que imediata, com uma enorme explicação sobre a regra baiana original, botões padronizados nas cores das camisas do Vasco, Grêmio e Ypiranga (Bahia), um goleiro de madeira na cor verde e com o distintivo do Ypiranga e algumas bolinhas “olho de peixe”, além de um exemplar da regra.
No mês seguinte, a Revista do Esporte já anunciava a repercussão da primeira reportagem e publicava, entre outras, uma foto em que eu estou jogando contra o meu colega Paulo Luís Duarte Fabião, a partida final do campeonato da AABB de 1963. Publicava também diversos endereços de botonistas que se reportaram ao Oldemar, criando, dessa forma, a primeira rede entre os praticantes das diversas regras existentes no país.
Oldemar defendeu sempre as cores do Ypiranga da Bahia
Até então, tudo era discutido através de correspondência via Correio Nacional. Tomávamos conhecimento de grupos que jogavam o nosso esporte em outros estados, mas desconhecíamos como o faziam. As fotografias eram sempre em branco e preto e muitas delas não tão bem nítidas. Faltava o contato pessoal.
E, ele aconteceu em 1966. Iríamos festejar o primeiro aniversário da Liga Caxiense de Futebol de Mesa. Lógico que seria na Regra Gaúcha, a regra que praticávamos no Rio Grande do Sul. Enviei um convite ao Oldemar, jamais acreditando que fosse aceitar, devido à grande distância entre a Bahia e o Rio Grande do Sul. Para surpresa, não só minha, mas de todos os botonistas gaúchos, Oldemar Seixas veio e trouxe consigo Ademar Dias de Carvalho. Participariam do Torneio de Aniversário da Liga Caxiense, jogando na Regra Gaúcha. E o fizeram com um espírito esportivo de causar inveja a todos nós. Com seus botões lisos, jogando contra nossos puxadores, mostraram a grande qualidade que possuíam. E um detalhe que nos deixou maravilhados, pois os dois jogavam com a unha, coisa inédita para todos nós.
A história, depois desse torneio realizado em Caxias do Sul, é do conhecimento de todos os praticantes da Regra Brasileira. A Regra Brasileira começou forte, pois passou a ser praticada em todo nordeste brasileiro e no sul do país.
E tudo isso aconteceu por um ato de coragem de um baiano, que conseguiu duas páginas na Revista do Esporte, a maior e melhor revista esportiva daqueles anos sessenta. Muito tempo depois surgiu o Placar, e a Revista do Esporte acabou perdendo espaço e terminou seus dias melancolicamente. Mas, foi ela a responsável pela grande mudança no futebol de mesa brasileiro, pois, com a união de esforços, criou-se a Regra Brasileira que misturou a Regra Gaúcha com a Regra Baiana. Coisas boas das duas regras foram aproveitadas e as aberrações que havia foram suprimidas. Toda mudança acarreta dificuldades e aqui no sul elas existiram em número muito grande.
Mas, depois da realização de campeonatos brasileiros, a partir de 1970, os demais movimentos iniciaram seus esforços no sentido de união. Regras paulista e paranaense se uniram e foi criada a Regra de 12 toques. Os cariocas, aliados aos brasilienses e mineiros, criaram a Regra de 3 toques. A partir daí, os campeonatos em âmbito nacional começaram a aumentar o número de participantes e houve o reconhecimento oficial das três regras pelo Conselho Nacional de Desportos.
As demais regras que não se fundiram acabaram ficando isoladas e praticadas por um número restrito de botonistas. Todas elas têm a sua beleza e qualidade e empolgam seus praticantes. Após o reconhecimento, com o advento da informação eletrônica, tomamos ciência de inúmeros países praticantes do futebol de mesa. O leste europeu, com campeonatos disputadíssimos, a Espanha, a Itália e os países da América Latina, além do Japão que pratica a Regra 12 Toques, estão se mostrando diariamente em diversos blogs especializados em futebol de mesa. Antes disso, em uma entrevista, quando esteve asilado na Itália, Chico Buarque de Holanda, respondendo a perguntas de vários artistas, afirmou que não conseguiu impor sua regra, pois eles praticam o futebol de mesa semelhante aos baianos, com petelecos e bola chata. Pena que não havia nenhuma fotografia mostrando a maneira italiana de jogar.
Por essa razão, queiram ou não, o mundo nunca mais foi o mesmo depois que o Oldemar, corajosamente, se manifestou nas páginas da Revista do Esporte. O futebol de mesa evoluiu e hoje está no cotidiano de grande parte de brasileiros. Em qualquer regra jogada, é algo que atrai pessoas e alivia tensões. Imagino que, se a reportagem não tivesse sido publicada, e todos continuassem jogando a sua regra regional, teríamos esse nosso esporte oficializado? Será que haveria essa integração, como existe no Gothe Gol, onde redatores de diversos estados se manifestam, ocupando suas páginas diárias? Será que conseguiríamos tantos amigos em locais distantes?
Oldemar recepcionando Sambaquy no Mercado Modelo - 2012
Acredito que não. Por isso, o mundo esportivo parou no dia em que a Bahia deu lições de Futebol de Botões. E, quando pensarem em homenagear alguém, lembrem-se sempre do nome de Oldemar Seixas, pois queiram ou não, foi por obra sua, por sua perseverança e entusiasmo que hoje podemos ser recepcionados em qualquer ponto do território brasileiro, abraçando amigos que são adversários na mesa durante as partidas. Seu gesto tresloucado de afirmação do futebol de mesa baiano foi quem movimentou a enorme roda que gira alucinadamente até hoje. O mundo nunca mais será o mesmo...
Oldemar com o seu velho Ypiranga  na sala de jogos do Brasileiro de 2012 - Salvador BA

Até a semana que vem, se Deus assim permitir.

3 comentários:

  1. É isso aí, amigão Sambaquy. Mais um belo relato sobre a história e o desenvolvimento do botão. Só um adendo: o nome celotex (identificador do jogo de botão no passado) vem daquele quadro de avisos existentes nos Grupos Escolares e que, quando gastos, serviram de campo. Nos anos 40 foi aonde botonistas (rapazes) jogavam com seus times de capa. A regra era a leva-leva e as bolinhas eram todas esféricas (colar, cortiça, crochê, vassourinha de botão, farinha e borracha). A pastilha surgiu aqui no Recife no final dos anos 50 e início dos anos 60, quando sairam de cena, nas lojas de material esportivo, os botões tipo olhão e olhinho e surgiram os botões de plásticos, com o goleiro com haste de arame. É uma longa história... Abração pernambucano.

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    1. Meu amigo Abiud, você tocou num ponto que está martelando em minha cabeça há algum tempo. Histórias sobre o inicio, pelo menos os nossos no futebol de mesa devem ser contadas em livro, os quais estarão sempre à disposição daqueles que nos sucederem no esporte. Se guardarmos só para nós, quando partirmos, elas seguirão conosco e ninguém ficará conhecendo-as. Sugiro que você escreva a história do futebol de mesa de Pernambuco, para que o futuro tome conhecimento.
      E, olhe bem que a sua capacidade é enorme e faz com que as pessoas interessadas no futebol de mesa tomem conhecimento da dificuldade inicial, quando tudo era improvisado e não havia fabricantes para nos municiar de times, bolinhas, goleiras, etc.
      São histórias assim que motivam e fazem nosso esporte continuar a ser grande.
      Abração gaúcho/catarinense

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  2. LH.ROZA...
    Meu AMIGO & IRMÃO BOTONISTA.
    Que alegria estar lendo mais uma pagina sôbre esse nosso lazer, que tantas emoções e amizades conquistamos ao longo dos tempos.
    Até a próxima.

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