segunda-feira, 29 de setembro de 2014

POR QUE EU GOSTO TANTO DO FUTMESA

Conheci o futebol de botões quando estava com onze anos de idade. A apresentação foi na residência de meu colega de escola, Marco Antônio Barão Vianna. Era um torneio entre o pessoal que estudava na Escola Normal Duque de Caxias. Marco Antônio jogava com um time pequeno de São Paulo. Não lembro se era Comercial ou Ypiranga, mas as suas cores eram branco e preto. Ele possuía uma caixa com um grande distintivo desenhado. Ao mostrar seus botões, enfatizava seus titulares elogiando o seu potencial em detrimento de alguns que eram considerados reservas. Conseguiu me contagiar com o seu costumeiro entusiasmo.

Era meu colega de carteira. Como tinha um pouco de dificuldade em responder perguntas rapidamente, devido a uma gagueira que o atormentava, solicitava que eu respondesse a chamada em seu lugar. Como o meu nome era sempre o primeiro e ele estava no meio da lista, não havia problema algum. Era um grande amigo. Ensinou a lixar os botões e dava conselhos sobre como jogar.
Meus primeiros craques foram surrupiados dos paletós e sobretudos de meu avô.  E comigo, o pessoal da minha rua passou a jogar botão. A mesa mais perfeita estava na casa do Renato Toni, onde, com seu irmão Reni, passávamos tardes e parte da noite jogando. O Renato foi o meu primeiro parceiro no futebol de mesa. Sabia lixar os botões e preparava goleiros de madeira, semelhantes aos atuais da Regra Brasileira. Só que os que ele confeccionava tinham a rebarba para encaixar as bolinhas. Como ele morava na frente de uma oficina de reparos e pintura de carros, aproveitava para pintar os goleiros, deixando-os muito bem acabados.
Como os nossos campeonatos nunca terminavam, resolvemos, aos domingos, excursionar pelos bairros, jogando contra outros botonistas que conhecíamos. No bairro de Lourdes, jogávamos contra a turma do Puccinelli; perto do campo do Juventude, na casa do Rui Pratavieira; em São Pelegrino, visitávamos o Vanderlei Prado. Todos eles tinham boas mesas. Ainda, sempre que podia, visitávamos o José Roque Aloisie, cujo pai era alfaiate e morava na frente da Livraria Saldanha, jogando na mesa que ele usava para cortar os ternos de seus clientes.
Um dia, sem explicação, rompemos a amizade. Até hoje não sei o que houve e depois de tanto tempo, já não faz diferença. Ficamos sem jogar por um tempo. Foi aí que apareceu o Vasco Balen, que ofereceu uma sala num prédio de seu pai. A sala estava desocupada e nós levamos nossa mesa para lá. Jogavam conosco o Mansueto Serafini Filho, Sérgio Gobetti, Ítalo Bazzo, Lyon Kunz, Luiz Felipe Kunz Neto, Vilson Tomazi e aparecia por lá, para assistir  aos jogos, um garotinho chamado Marcos Fúlvio de Lucena Barbosa. Durou pouco a nossa alegria, pois o pai do Vasco descobriu que estávamos usando a sala e nos expulsou de lá.
Já havia aparecido em nosso meio os botões puxadores. Cada um de nós procurava munir-se de dinheiro para comprar todo o craque que aparecia. Eu já tinha meu time montadinho e fiquei triste, pois não tínhamos mais um lugar para jogar. As brincadeiras mudaram e os botões ficaram um pouco de lado.
Foi então que conheci o Enio Chaulet. Grande jogador de botão e que possuía uma mesa maravilhosa, idêntica à mesa utilizada na Regra Brasileira. Para montá-la, necessitavam de dois botonistas forçudos. Eu era um deles, pois estava sempre na casa do Enio. Ele morava na frente da Caixa Econômica Federal; na parte de cima de um Café Bilhar famoso de Caxias. O pai do Enio era dentista e na frente de seu consultório havia uma enorme sala, onde colocávamos a mesa e passávamos dias inteiros jogando.
Meu pai, por essa época, havia comprado uma casa no Bairro Pio X. Estava agora morando longe do centro, sem a possibilidade de frequentar os locais onde jogava frequentemente. No Bairro Pio X, encontrei um rapaz, cuja mãe era doceira com especialidade em fazer cocadas. Com isso as cascas de coco eram aproveitadas por ele, que fazia excelentes botões. Comprei um time inteiro dele. E, esse time foi ornamentado com uma fotografia do Vasco da Gama, pois recortava os rostos dos jogadores e colava em cima dos botões. Aquilo era uma novidade entre os botonistas da época. Meus botões eram reconhecidos pelos meus adversários. Ainda lembro a escalação: Barbosa, Augusto e Wilson, Eli, Danilo e Jorge, Friaça, Maneca, Ademir, Ipojucan e Chico. Foi nessa época que comecei a jogar com os colegas de ginásio: Marcos Lisboa, Roberto Grazziotin, Delesson Orengo, Giovanni Zanetto.  O Marcos Lisboa era um excelente fabricante de botões, pois tinha um torno mecânico e com ele fazia maravilhas. Transformava um botão sem valor em uma peça rara, super cobiçada por diversos botonistas. O Delesson era um perfeccionista e tinha uma variedade imensa de botões. Foi uma das únicas pessoas que possuía um time do São Cristóvão, do Rio de Janeiro.
Em todo esse tempo, dos onze aos dezessete anos, jamais organizamos um campeonato com tabelas, com súmulas, com troféus. Nem mesmo anotávamos nossos jogos, o que foi uma lástima, pois deixei de registrar uma parte importante de minha vida e que deu origem ao que sou hoje. Com dezoito anos, passando pelo quartel, namorando, noivando e casando, o futebol de mesa ficou guardado em caixas. Mesmo assim, sempre que havia oportunidade, eu jogava sozinho em casa, pois havia conseguido uma mesa emprestada e que pertencia a um primo de minha ex-esposa. Nos primeiros anos de casado, eu trabalhava na Indústria Metalúrgica Gazola. Como jogava futebol, fiz muitas amizades e entre elas com o Adão, ponteiro direito da empresa, que era torneiro mecânico de alto valor. Encontrei uma placa de acrílico de cor amarela. Conversei com o Adão e ele pediu que eu lhe mostrasse um botão. Levei um atacante e entreguei ao Adão. Com ele, riscou o acrílico e cortou em quadrados e fez vários botões todos idênticos. Fiquei com um bom estoque de atacantes, mas faltavam botões de defesa. Fui trocando com antigos botonistas e consegui quase fechar um time de alto gabarito. Faltava um centro avante matador. E esse veio, pois ganhei de presente de um colega do curso de Contabilidade. Raul Stalivieiri me deu um centro avante preto que foi batizado de Victor e foi goleador nos meus dos campeonatos na AABB.
Já nessa ocasião eu trabalhava como contador na empresa Claumann & Cia. Ltda. Foi nessa empresa que conheci o Vanderlei Duarte, pois escutei uma conversa dele no balcão, falando sobre futebol de mesa. Saí do meu escritório e fui participar da conversa, pois acendeu uma luzinha em minha cabeça. Combinamos realizar algumas partidas, pois jogávamos na Faculdade de Ciências Econômicas. Alguns dias depois, Vanderlei disse que tinha uma surpresa para mim.  Entregou-me um goleiro todo em listras amarelas e azuis que havia sido meu, no tempo em que jogava na casa do Enio Chaulet. Pensei comigo: - Por onde andou esse goleiro, nesses anos todos. Foi incorporado ao time, que agora não era mais Vasco da Gama e sim Grêmio Esportivo Flamengo, atual SER Caxias do Sul.
Foi então que fui aprovado no Concurso do Banco do Brasil. E para a minha alegria, encontro um Departamento de Futebol de Mesa. Foi demais. A partir do momento em que me apresentei ao diretor do Departamento, Raymundo Antônio Rotta Vasques, senti-me com onze anos de idade. Já tinham se passado quatorze anos desde a apresentação ao futebol de mesa e somente agora eu começaria a jogar para valer. Joguei o meu primeiro campeonato com uma gana, com um desejo de ser campeão que, confesso, foi algo emocionante quando venci a última partida, derrotando o meu amigo Paulo Luís Duarte Fabião. Foi o meu primeiro troféu e, talvez, o mais emocionante de todos que já ganhei.
Primeiros troféus - recebidos a 51 anos
Por essa razão eu gosto tanto do futebol de mesa. Por ele trabalhei para completar o meu sonho que foi crescendo com o tempo. Acredito que se voltasse no tempo, faria tudo isso novamente, com uma única diferença. Jamais venderia botão algum, pois hoje tenho saudade daqueles puxadores que me deram tantas alegrias, dos goleiros que passaram pelas minhas mãos, dos diversos times que doei e com os quais tinha conseguido glórias. Fui campeão caxiense em 1969, com um time de paladon branco e não tenho mais esse time, fui bi- campeão da AABB com um time de puxadores especiais e vendi esse time. Guardo ainda o time com o qual fui campeão Olímpico Bancário de Caxias do Sul, o time que me deu três campeonatos em Brusque. Mas, acredito que a saudade também deve fazer parte de nossa história e, com toda a certeza, esses botões que saíram de minhas mãos deram alegrias a quem os possui na atualidade.
Um dia, espero ainda fazer e organizar um museu de botões. Em minhas mãos está o primeiro time que veio para o Rio Grande do Sul, fabricado na Bahia, em 1966. Tenho um time que pertenceu ao Geraldo Décourt, o criador da regra de futebol celotex, em 1930; possuo times da Regra Pernambucana, Regra Fogo Tebei, Rega Unificada, Regra Gaúcha, Regra de Doze Toques, Regra de Três Toques, Botões de vidrilhas, Botões de plástico, enfim, algo que será muito interessante e que quase foi parar no Museu que a Federação Paulista estava organizando em 2000, através de seu presidente Antônio Maria Della Torre. Nesse ano, mais precisamente em 27 de setembro de 2000, o coração desse amigo deixou de funcionar e o futebol de mesa perdeu um grande impulsionador.
Primeira foto em um campeonato oficial disputado
Primeira foto em um  Brasileiro

Mas, os sonhos continuam e estão sendo realizados. Cada um no seu tempo.

5 comentários:

  1. Meu caro amigão SAMBAQUY. Beleza! Bateu aquela saudade! Fez-me recordar meus tempos de menino. Não fui tão brilhante como você, mas durante quase toda a minha vida aproveitei para jogar meu botão na regra pernambucana, vendo outras regras se aproximarem, mas que não me entusiasmaram. Permaneci no meu gueto, mas mesmo assim, vou curtindo esses momentos felizes. A exemplo de você, sou um amante do botão, um botonista inveterado. Obrigado por deliciar-me com essas histórias que muito me emocionam. Valeu, amigão. Um forte abração bem pernambucano, com muito afeto e carinho.

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    1. Meu amigão Abiud, todos nós nos tornamos uns meninos quando pegamos os botões e os colocamos na mesa. Eu acredito que nenhuma outra distração deixa marcas tão profundas em nossa vida como o futebol de mesa. A gente consegue viajar no tempo e, em espírito, voltar e estar entre amigos que marcaram nossos passos. Tenho certeza que você sente essas mesmas emoções cada vez que pega cara um dos seus milhares de craques.
      Um grande abraço e me conte o que está havendo na Marreta, pois meus comentários não estão aparecendo.

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  2. LH.ROZA...
    Meu prezado e caro AMIGO ...
    Como não temos tantas habilidades com as "letras", pois nossas histórias dentro desse lazer o "futmesa" elas são parecidas em alguns aspectos. Venho concordar que também deveria ter guardado pelo menos "1 botão" de cada plantel, dos tantos que passaram ao longo dos tempos nas diversas caixinhas, aquelas de charutos.
    Lá pelos anos 50, inciamos com os botões plásticos da Estrela, passando pelos puxadores de osso, chegando aos de acrílico quando me foi apresentado um dos grandes artesões, da cidade de Rio Grande-RS, e que até hoje tem feitos os meus planteis o Sr. Manoel.
    Muitas noitadas as escondidas, da minha Mãe, foram dedicadas as lixadas e recortes das figuras com as caras do jogadores dos grande times da época, e finalmente chegando aos tempos atuais onde sofisticamos os botões com os "Pins"
    Bem ficamos esperando a próxima postagem ...

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    1. Roza, nossas histórias são sempre parecidas. Hoje estive meditando sobre uma coisa que vivi e que até então não tinha me apercebido. Quando comecei no futebol de botão, só jogavam meninos. Nunca vi um adulto jogando. Era coisa de guri mesmo. Nós fomos pioneiros nisso, seguindo os passos do Lenine, que abriu as portas aos adultos para a prática.
      Talvez isso sirva de inspiração para a próxima coluna, pois me preocupa muito a falta de incentivo aos jovens. Deveriam promover um campeonato só deles, para chamar a atenção do país inteiro, pois só fazem reportagens de adultos jogando e disputando troféus. quando começarem amostrar as crianças jogando atrairá mais gente para a continuidade de nosso esporte. Abração e boa panfletagem.

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  3. LH.ROZA...
    Taí uma boa "dica"...deves realmente bater nessa tecla !!!
    Recentemente (la em Livramento) o Jáder me comentou que esta despontando um "guri" no COP, inclusive já levantou alguns Troféus.
    Sim é preocupante a renovação, talvez nós mesmos possamos ser os responsáveis diretamente, pois com as modernidades criadas pelos "Artesões". Qual PAI irá dispor de, e ou, contrariar suas economias para ceder aos desejos do(s) FILHO(s). mesmo que seja com um PLANTEL usado...Bem ficamos esperando pela próxima "COLUNA"
    ATÉ +

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