segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UM TORNEIO INTERESTADUAL NA BAHIA EM 1973.


Minha gente, como todos nós sabemos, campeonatos nacionais foram realizados em 1970, em Salvador, em 1971, em Recife,em 1972, em Caxias do Sul. Após a realização dessas três competições a dificuldade em realizar o quarto campeonato ficou evidenciada, pois eram muitas as queixas quanto à falta de recursos para os deslocamentos, os gastos da entidade promotora, as despesas que cada competidor teria de arcar, pois nos anos setenta não havia patrocínio algum. Quem se arriscasse a promover uma competição tinha a obrigação de alimentar, alojar e premiar os competidores e isso representava uma pequena fortuna.

A Bahia, por ser o berço da Regra Brasileira, pelo potencial que possuía, pois em cada bairro existia uma entidade forte disputando seus campeonatos internos, geridos pela Liga Baiana de Futebol de Mesa, continuava como sendo uma espécie de Confederação. Mas, as coisas por lá não estavam correndo muito tranqüilas. Oldemar Seixas, um dos maiores entusiastas do Brasil, e um dos pais da regra, tivera um desentendimento com alguns caciques e se afastara da Liga Baiana. Criou então um novo clube. E para a inauguração desse novo clube convidou os caxienses para um torneio de inauguração. Convite feito, convite aceito.

Em Caxias do Sul estávamos jogando muito e nosso campeonato estava quase no final. O presidente do Conselho Municipal de Desportos de Caxias, o Mário de Sá Mourão, que patrocinara o terceiro campeonato brasileiro ganhou um Botafogo do Dr. Orlando Nunes e estava jogando razoavelmente. Ao tomar conhecimento do convite foi o primeiro a se colocar à disposição para visitar a Boa Terra. O outro que teria de ir seria o então presidente, Sérgio Calegari, aquele que nunca tinha saído de Caxias e que em sua primeira saída quase se perdera no caminho para Canguçú. Os outros dois foram escolhidos a dedo: Airton Dalla Rosa e Adaljano Tadeu Cruz Barreto, que comigo formariam a equipe caxiense.

A primeira providência foi adquirir as passagens. O escritório da VARIG ficava na Julio de Castilhos, em frente à Praça Ruy Barbosa, onde hoje existe o calçadão. Escolhemos os lugares mais à frente e fizemos a compra. O duro seria sair de Caxias no inverno (mês de agosto) e ter de enfrentar um verão em Salvador. Mas valia a pena porque seria um reencontro com os bons amigos baianos. Para mim seria a quarta viagem à Bahia.

Saímos de Caxias dia 12 de agosto de 1973, com a temperatura beirando zero grau, rumo ao Salgado Filho, em Porto Alegre. Depois de deixarmos o automóvel em um estacionamento, rumamos para o aeroporto. Despachamos as malas e como chegamos ao meio da manhã e nosso vôo seria logo às 13 horas, fomos para o restaurante. A turma estava feliz, mas o Calegari apreensivo, pois seria o seu primeiro vôo. Depois de algumas cervejas, pastéis e sanduíches, o Calegari consegue a proeza de derramar seu copo cheio de cerveja e molhar a mesa todinha. Um garçom veio executar a limpeza, e, olhando para o Calegari perguntou: O senhor deve ser gremista...

A gargalhada rolou solta, pois o Calegari jogava com o Grêmio e meio gordinho, as listras da camisa faziam uma curva acentuada mostrando a sua barriguinha. Após esse pequeno incidente e nos preparando para embarcar restava pagar a conta. Foi então que surgiu a brincadeira que mostrou uma vez mais a ingenuidade do Caligula. Passei o meu cartão e disse solenemente que essa despesa seria minha, mas a do avião seria por conta do presidente da Liga. Embarcamos, com escala em São Paulo e no Rio de Janeiro, para então chegar a Salvador. Naquela época ainda serviam garrafinhas de uísque, Campari e cerveja, com o almoço e os demais lanches e nós não nos fizemos de rogados. Pedíamos tudo que tínhamos direito e o Calegari ficava somando nos dedos em quanto ficaria a sua despesa. Ele ficou a viagem toda só na água mineral e quanto muito num copinho de suco de laranja. Ao chegarmos a Salvador, antes de desembarcar ele chamou a aeromoça e perguntou em quanto ficara a nossa despesa, pois queria pagar a conta. Como ela dissesse a ele que aquilo tudo fazia parte do serviço de bordo, ele ficou com uma cara de bobo enquanto todos nós nos desmanchávamos de tanto rir. Nessa altura todos nós estávamos com paletós, sobretudos, jaquetas, na mão, pois o calor, mesmo sendo noite, era insuportável.

Na Bahia estavam à nossa espera e fomos colocados em um hotel, tipo pensão, que o Oldemar havia contratado em troca de publicidade em seu programa Bahia Campeão dos Campeões.

Na manhã seguinte, o Jomar Moura nos apanhou para mostrar Salvador. Seguiu pela orla e perto do meio dia falou que iríamos até a oficina do José de Souza Pinto, o fundador e eterno presidente, presidente de honra da entidade baiana. O Zé Pinto era um baianinho pequeno, com menos de 1,60 de altura, magrinho, metido a macho como ele só. Ao chegarmos ao local de trabalho do Zé, eu me escondi em uma das portas laterais, enquanto o Jomar gritava: ZÉ PINTO VENHA CÁ, VENHA VER OS GAÚCHOS QUE QUEREM LHE CONHECER.....

O Zé Pinto saiu pela porta, sem me ver e olhando para a turma, perguntou: E SAMBAQUY, SAMBAQUY NÃO VEIO? COMO É QUE PODE?

Foi então que eu me aproximei por trás e o peguei no colo, dizendo: ESTOU AQUI MEU VELHINHO PREFERIDO.... venha comigo que vou apresentar os meus conterrâneos.

Descemos a escada e o primeiro a ser apresentado foi o Airton. O Zé disse: esse é o Delarosa?Campeão, depois foi a vez do Adaljano, do presidente Calegari e por último o Sá Mourão. O Sá Mourão, desde a nossa saída de Caxias estava aprontando todas. Alegrava o grupo de uma maneira única. O Zé estende a mão para cumprimentar o Sá Mourão, quando esse segura à cabeça do Zé e tasca-lhe um beijo na face. Foi a gota d´água para marcar o dia. O Zé vira-se para mim, parecendo um galinho garnisé, coloca as duas mãos na cintura e pergunta: - SAMBAQUY, O QUE VOCÊ TROUXE AI????????????????????? Todos nós rimos e cada vez que eu me lembro dessa cena dou risadas sozinho.

Após conversar bastante com o Zé, fomos almoçar no Buraco do Tião. Um restaurante de praia, onde o peixe era servido em terrinas individuais de barro e era tão quente que a gente suava só de estar perto delas, e para combater tanto calor a cerveja era geladíssima. Na metade do almoço chega o Oldemar, depois de ter apresentado seu programa radiofônico. O Sá Mourão, depois da experiência com o Zé, fez a mesma coisa no Oldemar. Este quase caiu da cadeira e só dizia: O que eu vou dizer em casa, sendo beijado em público por outro homem....

À noite no Hotel/Pensão o Sá Mourão esperava o Calegari dormir para acordá-lo. Quando o Caligula acordava e perguntava o que havia, ele, simplesmente dizia: com a cara de santo: O Adaljano queria te acordar e eu não deixei.....

Na manhã seguinte iríamos para a praia. Todos tinham trajes de banho, menos o Calegari. Então passamos em uma Loja que vendia trajes de banho e pedimos uma sunga. Escolhemos a mais apertada e o Calegari foi enfiado nela. Foi hilário, pois o Calegari, gordinho sobrava e a sunga dele deu origem ao fio dental da atualidade....

À noite fomos jogar. Cada um de nós estava com a camisa do clube que representava na Liga. Adaljano (Santos), Airton (Cruzeiro), Sá Mourão (Botafogo), Calegari (Grêmio) e eu (Flamengo de Caxias). Eles nos olharam, como pensando: Esses caras não tem um uniforme na Liga deles? Foi então que colocamos as camisas da Liga, que haviam sido providencias pelo Sá Mourão. E o Sá Mourão ainda distribuiu camisas de Caxias do Sul para os integrantes da Associação Baiana. Estávamos acostumados com as nossas mesas e as que deveríamos jogar eram especiais para quem joga com a unha. Não conseguíamos deixar nossos botões na mesa, pois todos jogávamos com palheta (ficha, pois naquele tempo não existiam réguas) e a força fazia os botões deslizarem demasiadamente. Resultado acabamos sendo goleados, pois o pessoal que estava junto com o Oldemar era de primeira linha, a saber: José Ataíde (famoso locutor esportivo de Salvador) Dr. Gantois, Dr.Orlando Nunes, Vital Albuquerque, Dr. Valter Motta, Geraldo Holtz (que havia sido campeão baiano diversas vezes) Guilherme José e Luiz Alberto Magalhães que indiscutivelmente era um dos principais botonistas que eu já vi jogar. Perfeito no jogo e o primeiro a criar arte em seus botões. Em todos os seus botões, cujo nome do time era Milionários, estava estampado a marca Adidas. O resultado foi que os baianos ficaram com o troféu.

De 13 a 18 de agosto, além dessa participação interestadual, fizemos várias visitas a clubes baianos. Liga da Pituba, Liga de Brotas, Liga do Barbalho, onde éramos sempre bem recepcionados. Na Pituba, na residência do Dr. Gantois rolou solto o uísque e canapés. Na despedida, o Sá Mourão, com a maior cara de pau, pegando um litro de whisky, quase cheio, perguntou ao anfitrião: - Era para nós tomarmos todos esse whisky? Sim, respondeu educadamente nosso hospedeiro. Então eu vou levar para nós terminarmos no hotel..... e colocou o litro dentro da bolsa que carregava consigo.

No dia 18, terminava a nossa estadia em Salvador e retornamos para Porto Alegre. No avião, para nossa surpresa, foi distribuído o Jornal A Tarde, de Salvador e, na sessão de esportes, em meia página as nossas fotografias com a reportagem: GAÚCHOS VIRAM O QUE A BAHIA TEM...

Ficamos felizes com aquilo e fomos reconhecidos por aqueles que sentavam perto de nós. Saímos de Salvador, bronzeados, em mangas de camisa, esquecidos que nos esperava o frio do Rio Grande do Sul. Ao chegarmos a Porto Alegre, perto do meio dia, tivemos a sorte de não estar muito frio, o que depois de apanharmos nossas malas procurar dentro delas os abrigos para o restante da viagem.

De tudo o que passamos nessa viagem o que mais me alegrou foi à oportunidade que demos ao Calegari de ter saído, pela primeira vez de nossa cidade e conhecido Salvador, ter passado pelo Rio de Janeiro e São Paulo. Tenho certeza que esses momentos ficaram marcados em sua vida para sempre, ele que havia sido um dos fundadores da Liga Caxiense de Futebol de Mesa.

E com isso estava aproximando-se a minha despedida da Liga Caxiense, pois no final de novembro eu seria transferido para Brusque, em Santa Catarina.

Na semana que vem tem mais uma história para vocês.

Sambaquy.

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