segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O CUSTO DE UM TIME DE BOTÃO.


A história nos faz refletir sobre o quanto custa um time de botão. Ora, se no início os times eram de botões de roupa, coisa de garotos que se aproveitavam dos botões de paletós, capas de chuva, botões enfeitados de vestidos de suas mães, o custo era no máximo umas palmadas, hoje em dia a transformação faz com que tenhamos de gastar pequenas fortunas.

Mas, para os botões, depois de apropriados, havia a necessidade de prepará-los para serem craques. Quase todos os dias, na minha rua, viam-se jovens sentados na beirada da calçada passando seus craques na laje, fazendo com que perdesse a primeira camada baixa, para não saltarem por cima da bolinha. Depois vinham as lixas mais finas que ajudavam na transformação.

O melhor fabricante de botões de nosso bairro era o Renato Toni. Ele conseguia surpreender a todos, sempre com novidades. Com o tempo, apareceram os iô-iôs e o Renato conseguia fazer deles um par de zagueiros intransponíveis. Mais adiante as tampas de potes de cremes de beleza também eram utilizadas, e, transformados em bons zagueiros. O problema eram os atacantes, pois naquela época ninguém falava em graus no declive dos botões. Era tudo no olhômetro. Calculava-se a caída e procurava, com um vidro deixar o botão semelhante em toda circunferência.

E assim foram sendo criados bons times. Os melhores botões eram sempre cobiçados.

Passam-se alguns anos e surge em Porto Alegre a fábrica de botões puxadores. A principio eram todos de uma só cor, mas foram ficando cada vez mais sofisticados e começaram a surgir botões em camadas. Para os nossos padrões eram caros e bastante difíceis, pois naquela época viajar à capital só se fosse nas férias. Mesmo assim começaram a chegar aos poucos em Caxias. Quem conseguia um ou outro era invejado. Tinha de jogar em diversos lugares para mostrar o craque “importado”.

Até que, em determinada época, a Livraria Saldanha começa a vender botões fabricados em Porto Alegre. Foi uma festa para os botonistas caxienses.

Eu já cursava o ginásio e lá encontrei o Marcos Pedro Amoretti Lisboa, filho de uma professora e que era um exímio botonista. Além disso, o Marcos tinha uma habilidade fora do comum para preparar craques. Havia desenvolvido uma espécie de torno manual, no qual fazia os botões ficarem com ângulos específicos para determinadas posições. Lembro ainda do zagueiro “faz tudo” que ele utilizava. Esse botão levantava a bolinha em quase toda a circunferência, mas, uma parte era cega e quando colocada a bolinha nela, não levantava e assim ele cavava os laterais e corners. E era esse zagueiro que ia bater os escanteios para que um dos três botões colocados na área adversária cabeceasse a bola para o fundo das redes.

Em uma ocasião, o Marcos e eu pegamos uma carona de caminhão e fomos até Porto Alegre, com a finalidade de comprar botões. O caminhão nos deixou em determinado ponto e de lá, apanhamos ônibus e fomos até à rua Paulino Teixeira, número 51, onde nos encantamos com o paraíso dos botões. Enchemos os bolsos e rumamos à Rodoviária para regressar à Caxias, felizes como alguém que consegue realizar o seu sonho mais sonhado.

Entretanto, haviam botões que marcaram época em Caxias. Um deles era um botão marrom que havia sido rompido e que fora colado. Mas, ficou tão bom que jamais errava um chute ao gol. Fiz economias, deixei de ir ao cinema, de tomar refrigerantes, sorvetes e de comprar meu doce de batata doce e consegui reunir o montante para comprar o passe do”Colado”. Estava realizado, só que na estréia, em casa de uma família que morava perto do campo do Juventude, o “Colado” foi roubado. Chamei todos eles de ladrões e chorei muito. Havia custado bastante sacrifício ter aquele botão e agora um ladrão o havia levado. Deixei de jogar nas casas que me convidavam depois dessa desventura.

Houve uma época em que encontrei um rapaz que morava perto de minha casa e que fazia botões de casca de coco. Seu nome era Riário Neves. A mãe dele era doceira e ele era quem quebrava os cocos, aproveitando as cascas para fazer botões. Comprei dele vários botões e colava o retrato de jogadores do Vasco da Gama, cuja foto eu havia ganho de um amigo.

Quando estava com dezessete anos, jogava futebol de campo com amigos e em determinada ocasião deixei os meus times na casa de um deles. A fatalidade aconteceu e a casa pegou fogo. Dois times foram cremados naquela noite.

Aos poucos fui conseguindo formar um novo time. Já estava trabalhando e ganhando meu próprio dinheiro e isso facilitava as coisas. Na escola onde fazia o curso de Contabilidade, o meu amigo e colega Raul José Stalivieri, sabendo que eu estava juntando botões me presenteou com um botão preto, atacante, que logo recebeu o apelido de Vitor. E como o Vitor marcava gols. Foi dele o gol da vitória de meu primeiro troféu, campeonato da AABB de 1963.

Os botões panelinha, fabricados em plástico, eram mais utilizados pelas crianças que jogavam em estrelões. Nós jogávamos nas mesas da regra gaúcha. Entre nós não houve muita aceitação deles, pois os puxadores eram botões muito caprichados, muito embora não houvesse um padrão definido em qualquer time. Usávamos botões de diversas cores, desde que gostássemos dele. O único padrão que tínhamos era o número, colado na parte de cima dos botões, ou então a foto recortada do rosto do jogador.

Foi então que surgiu o botão baiano, padronizado, com diferenças entre defensores e atacantes. Os introdutores foram Oldemar Seixas e Ademar Carvalho. Vieram participar de um torneio em Caxias e trouxeram alguns times. Entre eles, uma seleção brasileira que me foi presenteada e que guardo com carinho até os dias atuais. Esse foi o primeiro time que saiu da Bahia com destino certo. Os demais foram todos vendidos aqui em Caxias, em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Se tivessem trazido mais cem times, com certeza teriam vendido todos.

Para se ter uma idéia dos valores de compra dos botões, um time de puxadores custava o equivalente a dois jogadores baianos. Nós estávamos finalizando o campeonato de 1966, ainda na Regra Gaúcha, na AABB, logo após a vinda dos baianos e o Deodatto Maggi fez uma proposta inusitada para mim. Pagava pelo meu time da Regra Gaúcha o equivalente ao um time baiano. Não pensei duas vezes, pois o meu amigo/irmão/compadre Vicente Sacco Netto havia confeccionado um time branco e vermelho que eu não utilizava, pois estava acostumado com o time que estava disputando o campeonato. Vendi o time titular e o time que ganhei do Vicente seria o substituto no restante do campeonato. Dias depois eu teria de jogar contra o Maggi e entrei com o time feito pelo Vicente, contra os meus craques. Para tristeza do Maggi, venci o jogo.

Hoje, tenho alguns times guardados. A grande maioria foi presente recebido de botonistas que considero muito em minha vida. Tenho botões que ganhei de Geraldo Decourt, de Oldemar Seixas, de José Ricardo Caldas e Almeida, de José Geraldo Cursino, de Antonio Maria Della Torre, de Vanderlei Duarte e Luiz Ernesto Pizzamiglio, de Oswaldo Fabeni, os quais são intocáveis. Times que ganhei campeonatos não ficaram em minhas mãos. Presenteei-os a pessoas que devem ter valorizado botões campeões.

Para quem não conhece o quanto é dispendioso manter um time de botão, isso é apenas uma amostra do que o botonista realiza. Hoje em dia existem maletas (ônibus), material de limpeza, flanelas especiais, réguas, paletas, bolinhas e tantas outras coisas que são necessárias para o bom desempenho do time. Além disso, o botonista deve estar sempre preparado para as despesas de deslocamentos, pois os torneios são realizados de norte a sul desse nosso país.

Felizmente, consegui ver ser realizado o meu sonho de unir o Brasil em torno de uma mesa de botão.

Semana que vem tem mais, se Deus quiser.

Sambaquy.

Um comentário:

  1. Boa noite, Sambaquy, estamos, eu e o pai lendo e nos deliciando com tuas histórias. Abraços!! Raymundo e Ana Maria Vasques

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