segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

OS PAIS DA REGRA BRASILEIRA – UMA HISTÓRIA DE SUCESSO

Os pais da regra no Torneio da Cana X Vinho - Santo Amaro (BA)


Ao completarmos quarenta e cinco anos da criação da Regra Brasileira, recordo um pouco daquilo que foi a grande modificação na maneira de jogar e difundir o nosso esporte.
No ano de 1966, quando a Liga Caxiense de Futebol de Mesa comemoraria o seu primeiro aniversário, recebemos a visita dos baianos Oldemar Seixas e Ademar Carvalho. Além de cavalheiros, em todo o sentido da palavra, foram os responsáveis pela apresentação de um futebol de mesa diferente do que era praticado no nosso estado. A mesa foi providenciada e eles a deixaram em condições para a partida de demonstração do jogo, a qual foi realizada após o torneio disputado na Regra Gaúcha. Até então, nenhum de nós havia visto uma partida em um campo considerado enorme para os padrões da época e com dois times padronizados. Foi algo inesquecível e que nos tocou profundamente. Por que não tentarmos fazer algo melhor? Foi esse o pensamento inicial do presidente da Federação Riograndense, Gilberto Ghizi e o meu, pois a antiga regra baiana tinha alguns inconvenientes como o carrinho, pois ao se formar a “cerquinha”, o adversário podia entrar, mesmo que batesse nos adversários, desde que não os deslocasse mais do que um centímetro. Para essa medição, havia uma régua especial. Procuramos, na ocasião, aliar o que havia de bom na regra gaúcha ao melhor da regra baiana.
Havia o convite para a realização do campeonato estadual daquele ano em Caxias. Para isso, seguidamente, recebíamos a visita do Ghizi em nossa cidade, e o assunto, além do estadual, era o da nova regra. Elaboramos um anteprojeto, estudando artigo a artigo, procurando um meio de não desvirtuar nenhuma das duas. Afinal, ambas eram regras de um toque.
Com o anteprojeto definido, apresentamo-lo à Assembléia que participou do Campeonato Estadual, patrocinado pela Federação Riograndense de Futebol de Mesa, sendo aprovado por todos, sem restrições. A responsabilidade foi entregue aos dois interessados, que deveriam seguir rumo à Boa Terra para apresentá-lo aos baianos.
Em Salvador, recepcionados por botonistas de um quilate indescritível, começamos as conversações no sentido de que a nova Regra fosse aceita e praticada, visando à realização de Campeonatos Brasileiros e um intercâmbio entre todos os brasileiros.
Pela Bahia, os participantes foram os dois baianos pioneiros que saíram do verão baiano para o gélido inverno gaúcho: Oldemar Seixas e Ademar Carvalho. A eles se juntaram Nelson Carvalho, o mestre, e Roberto Dartanhã Costa Mello, o homem forte da Liga Baiana de Futebol de Mesa.
ADEMAR CARVALHO. Figura maravilhosa, excelente botonista, brincalhão, gozador, amigo para todas as horas. Trabalhava na empresa S. A. Nacional de Combustíveis e Acessórios SANCA, com sede em Salvador. Seu carro, um Aero Willys era o meio de locomoção de todos nós. Só não deixava o Oldemar sentar a seu lado, pois sempre que saía do carro batia a porta com força. Ademar ficava doido com ele. Pedia que eu sentasse a seu lado e quando eu fechava a porta o fazia como se fosse meu, com cuidado, o que fazia com que ele dissesse que o Oldemar observasse como era o ato de fechar a porta. Além disso, em sua chácara, retirada do centro, reuníamo-nos aos domingos para jogar a famosa baba, aqui chamada de pelada. Os visitantes tomavam banho no chuveiro da família, e os demais num banheiro no lado de fora da casa. Ademar era excelente botonista, mas quando algo não dava certo fazia coisas extravagantes, como certa vez, ao perder um campeonato, quebrou um a um os seus botões do Vitória. Tinha um irmão que jogava com o Corinthians. Seu nome Evandro Carvalho. Outra grande figura. Em sua residência, conheci seu pai, senhor Raul, que editava um Almanaque Brasiluso, presenteando-me com dois exemplares de anos distintos. Esses almanaques estão no Museu Casa de Brusque, pois são de um valor inestimável e uma fonte de consultas.
Ademar faleceu após uma cirurgia cardíaca. Fui o último a conversar com ele, na noite anterior a essa cirurgia. Prometeu-me que tão logo retornasse para casa me ligaria. Desejei-lhe sorte e fiquei no aguardo. Após alguns dias tornei a ligar e a sua esposa, Margarida, deu-me a triste notícia.
NELSON CARVALHO. O mestre era quem organizava os campeonatos, fazia as tabelas e cuidava da escala de árbitros. Metódico, genro do presidente José de Souza Pinto, era uma pessoa finíssima. Seu time tinha um jogador especial chamado Sarapatel. Deixar o Sarapatel chutar ao gol era sofrer gol certo. Foi o grande incentivador e anotava todos os questionamentos sobre a nova regra que estava surgindo. Participou ativamente de todo o trabalho, e foi através de sua iniciativa que conseguimos sair de Salvador com os exemplares impressos da nova Regra.
Nelson era uma pessoa que estava sempre disposta a acompanhar a comitiva baiana que recepcionava os gaúchos. Muitas vezes, orientava-nos quanto ao jogo, à maneira de usar a malícia que ainda não possuíamos. Era uma pessoa que estava sempre junto conosco.
Infelizmente Nelson também não está entre nós. Com o meu afastamento do futebol de mesa, na década de oitenta, perdemos o contato. Guardo com carinho uma fita K7 com depoimentos de vários amigos baianos, inclusive Nelson, Ademar, Webber e Jomar Moura, sempre me emocionando quando escuto suas vozes.
ROBERTO DARTANHÃ COSTA MELLO era o homem forte da Liga. Dono de um mercado na Baixa do Sapateiro deixava seus afazeres para nos servir de guia turístico durante o dia, quando os demais, por obrigações tinham de comparecer aos seus locais de trabalho. Em sua maravilhosa residência, ofereceu-nos um jantar típico de comidas baianas. Foi lá, que instigado por Ademar, Dartanhã, Jomar Maia, Oldemar, Webber Seixas que o Ghizi resolveu experimentar a pimenta baiana. Dartanhã sempre foi um abnegado e nos encontramos em diversas cidades desse nosso país. Em Recife, no segundo Brasileiro, fui o árbitro de sua conquista maior, quando na finalíssima venceu ao excelente Cesar Zama. Depois, encontrei-o em Vitória (ES), quando empatamos em 0 x 0 e eu segui adiante na competição. A última oportunidade ocorreu no Rio de Janeiro, ao apreciarmos o Campeonato realizado em Itapetinga, cujo resultado final não chegou a ser concretizado. Por decisão de todos os participantes, foram declarados campeões brasileiros os botonistas Jomar Moura e Miguel Oliveira.
OLDEMAR SEIXAS. Desde 1965 mantinha correspondência com ele. Conhecemo-nos em 1966, quando de sua viagem ao Rio Grande do Sul. Ficamos hospedados em sua casa, na Estrada da Rainha, número 48. Naquela época, ele era bancário e trabalhava na parte da manhã, ficando disponível no período da tarde. Escrevia uma coluna no Jornal A Tarde, de Salvador, sobre o futebol de mesa. Não há muita necessidade falar sobre ele, pois é conhecido de todos os botonistas brasileiros. Era o goleiro quando praticávamos nosso futebol, tanto na chácara do Ademar quando na praia. Pegava bem no gol. O detalhe é que não escapava da gozação do Ademar; é que Oldemar só bebia guaraná. Mesmo no frio de Caxias nunca sorveu um gole de vinho, nem mesmo com a desculpa de que assim esquentaria. Morria de frio e continuava bebendo guaraná.
GILBERTO GHIZI. Presidente da Federação Riograndense de Futebol de Mesa, o porto-alegrense colorado era um grande botonista na regra gaúcha. Ao chegarmos à Bahia, não se adaptou com os botões baianos que eram novidade para nós. Ao perder umas três ou quatro partidas, colocou os seus puxadores na mesa e jogava sempre com eles. Eram botões cavados, jogando contra lisos. Mesmo assim, não conseguia muito êxito, pois os baianos eram exímios praticantes do futmesa. Foi decisivo na formação dessa regra que hoje em dia nos dá tantas alegrias e felicidade. Ao final dos trabalhos, ficamos com um impasse apenas. Havíamos, em nosso anteprojeto, estabelecido uma mesa intermediária entre a baiana e a gaúcha. Foi então que a argumentação levantada pelo bom senso dos amigos baianos falou mais alto. Nós teríamos de construir nossas mesas, pois mesmo que fosse a intermediária, a antiga mesa da Regra Gaúcha deveria ser abandonada. Ao contrário, a Bahia toda jogava com a mesa de 2,20 x 1,60. Em todas as agremiações que visitamos, as mesas eram nessas medidas. Além deles, os pernambucanos, paraibanos, potiguares, sergipanos e alagoanos já possuíam mesas nessas dimensões. Talvez essa modificação do tamanho da mesa não fosse bem aceita, pois muitas agremiações não tinham muitos recursos para a construção de novas mesas. Fizeram-nos compreender que poderia ser o entrave para a aceitação definitiva da nova regra. Por fim, e diante dessas argumentações, aceitamos a continuidade da mesa baiana como a oficial.
Essa é a história resumida do trabalho que foi construído, em conjunto, por baianos e gaúchos de 8 a 22 de janeiro de 1967.
Para orientar aos queridos leitores, estampo uma foto que foi batida em Santo Amaro da Purificação, quando participamos do Torneio da Uva e da Cana, vencido por Oldemar Seixas, onde aparecem na ordem: Álvaro César (Santo Amaro), Oldemar Seixas, Adauto Celso Sambaquy, Nelson Carvalho, Gilberto Ghizi e Ademar Carvalho. Só faltou o Roberto Dartanhã que não pode comparecer ao evento. Cinco dos seis responsáveis pela criação da Regra Brasileira em um longínquo ano de 1967, no século passado.
Até a semana que vem, se Deus quiser.
Sambaquy

3 comentários:

  1. Parabéns amigo Sambaquy! Você e estes ilustres botonistas são os responsáveis pelo futmesa de alto nível que temos no Brasil. Foram corajosos e não desistiram de um sonho que deu origem a esta regra fantástica que jogamos.

    Paz e bem!

    ResponderExcluir
  2. LH.ROZA...
    Amigo AC.SAMBAQUY...
    Que beleza de narrativa, creio que para alguns poucos informados, agora venham reconhecer os verdadeiros "ÍCOMES", deste lazer que tantas emoções nos proporciona.
    Tanto para os que já pararam e hoje tem em seus filhos e/ou até netos, dando continuidade jogando ou até mesmo dirigindo as ASSOCIAÇÕES fundadas por "ELES".
    Até agora muitos foram os conciderados "Pais da criança"...

    ResponderExcluir
  3. Meus amigos Rangel e Roza,
    Depois que Colombo conseguiu colocar o ovo em pé, todo mundo sabia fazer a mesma coisa. Mas foi necessário que ele mostrasse a eles como deveria ser feito.
    A criação da Regra Brasileira foi dos seis pioneiros. Depois foram feitas as modificações que a necessidade exigia. Mas, foram apenas incorporações ao que estava realizado para todo o sempre.
    Um abraço e agradeço suas contribuições, sempre valiosas.

    ResponderExcluir