domingo, 26 de fevereiro de 2012

MEU PRIMEIRO BOTÃO PUXADOR...

No final da década de quarenta e início dos anos cinquenta, o futebol de mesa era praticado pela molecada com botões de roupa, pois não existiam ainda produtos que explorassem os sonhos infantis. Por essa razão, o sofrimento era sempre de nossas mães, pois as queixas de falta de botões em paletós eram frequentes.
Para formar nossos esquadrões, tínhamos de encontrar botões um pouco maiores e que, depois de devidamente lixados em suas beiradas, não pulassem sobre a bolinha. Isso era um trabalho manual, e o melhor dentre todos nós era o Renato Toni. Aliás, nunca jogamos com goleiros feitos de caixa de fósforos, pois o Renato fabricava os goleiros de madeira e depois os levava para serem pintados em uma oficina que existia na frente do armazém de seu pai. Naquela época, todos os meninos da região estavam praticando o futebol de botões. Renato Toni e seu irmão Reni, Mansueto de Castro Serafini Filho, Sérgio Gobetti, Vasco Balem, Ítalo Bazzo, os irmãos Luiz Felipe e Lyon Kunz, Vilson Tomazzi e eu fazíamos os nossos campeonatos nas mesas improvisadas em nossas próprias casas.
Não havia novidades e quando surgia um novo tipo de botão, na cidade, a corrida era geral. Houve um tempo em que foram lançados ioiôs e nós os aproveitávamos para deles conseguir zagueiros vigorosos.
Num dos natais, os irmãos Luiz Felipe e Lyon receberam de uma tia que morava no Rio de Janeiro dois times. Um era Flamengo e outro Fluminense. Eram botões da recém lançada regra do Fred Mello (Regra do toque-toque ou leva-leva), arredondados e que não motivaram a ninguém, a não ser pela sua padronização, pois eram todos iguais e nas mesmas cores dos times cariocas. Continuamos a jogar com os nossos botões de roupa.
Algum tempo depois, os mesmos irmãos Luiz Felipe e Lyon aparecem com uma caixa cheia de botões. Haviam passado alguns dias em Porto Alegre e trouxeram da casa de um parente esses botões. Todos ficaram encantados, pois eram botões de roupa, mas bem maiores dos que estávamos utilizando. Como eram muitos, foram dando um para cada um de nós. Ganhei o meu e logo o transformei no capitão do time. Ele fazia tudo, batia tiro de meta, escanteio e faltas. Era o Messi do meu time...
Só que, alguns dias depois, apareceu, em Caxias, o primo dos irmãos Kunz, à procura dos seus botões. Na casa deles, recuperou quase todos. Faltaram os que haviam sido doados aos demais praticantes da região. Num determinado dia, ele bateu à minha porta e perguntou se eu havia ganhado um desses botões. Disse que sim, que havia sido presenteado com um deles. Então ele me explicou que havia mostrado os botões aos meninos e que guardara a caixa. Os dois voltaram para Caxias e dias após ele procurou os botões, pois iria participar de um campeonato e não mais os encontrou. Entrou em contato com os parentes e eles informaram que os botões tinham vindo junto com os meninos. Diante disso, e sentindo o apreço que ele tinha por esses botões, entreguei-lhe o seu craque, com um nó na garganta por perder o meu melhor craque conseguido até então. E assim ele fez com os demais. A grande maioria só devolveu mediante venda, pois afirmara que havia ganhado e que não queriam saber de que forma os meninos os haviam conquistado. Como o rapaz estava imbuído de retornar a Porto Alegre com todos os seus botões, acabou comprando deles. Muitos ainda troçaram por eu ter devolvido sem pedir uma compensação financeira. Eu estava em paz com a minha consciência, e já tinha um plantel razoável.
Um dia antes de retornar, ele volta à minha casa e pede para falar comigo. Fui atendê-lo e ele me afirmou que estava retornando para sua casa, mas, devido à minha atitude, queria me premiar. E dizendo isso me entregou um botão puxador, de cor azulada. Foi o primeiro puxador que eu vi naquela época. Não é preciso dizer que a minha felicidade foi idêntica a de quem tivesse ganhado uma bicicleta no Natal. Analisando o puxador, cheguei à conclusão que deveria ser muito mais valioso do que o botão que eu havia devolvido. Bem feito, torneado perfeito, cavado com cuidado, era o suprassumo do que eu até então imaginara de um botão para o meu time.
Os demais, que venderam os botões ao seu legítimo proprietário ficaram sem nada. Fui recompensado por ter um coração mole e saber avaliar a dor de perder algo que causava satisfação e alegria ao seu proprietário. Agora eu também tinha um botão diferenciado em meu time e por algumas semanas aquela novidade era convidada a participar de torneios e campeonatos em todas as casas da região.
Algum tempo depois, começaram a surgir os primeiros puxadores na cidade e para adquiri-los nós deixávamos de ir às matinês e assistir ao seriado que estava passando no cinema; deixávamos de comprar picolés e sorvetes e eu ainda deixava de comprar o meu doce preferido: o doce de batata que era feito na sorveteria do Valiatti. E foi assim que, aos poucos, todos nós fomos conseguindo montar grandes times de puxadores e disputar campeonatos fabulosos que, por não pensarmos em termos de futuro, deixamos de anotar seus resultados.
Logo no início dos anos cinquenta, o Vasco Balem conseguiu com seu pai uma sala no prédio em que moravam na Avenida Júlio de Castilhos com a Rua Alfredo Chaves. Levamos para lá a nossa mesa e começamos a disputar campeonatos. Mas, como a barulheira que fazíamos era sempre muito grande, em pouco tempo ele nos expulsou de lá e ficamos novamente jogando em nossas casas. Onde eu mais joguei foi na casa do Renato Toni, na Júlio de Castilhos, quase na esquina da Rua do Guia Lopes. Lembro ainda que nós não parávamos nunca. E, muitas vezes, a mãe dele levantava da cama e nos mandava sair, pois eles queriam dormir e nós fazíamos barulho, já que era o Renato que narrava os seus jogos. Era um são paulino doente.
Foi um tempo maravilhoso e que passou depressa. Ficaram as lembranças, pois foram as nossas vidas modeladas através do futebol de mesa, um esporte que fez de nós pessoas de bem.
Os Botões onde tudo começou
Botões de Chifre

Botões de resina


Botões de Coco

 

Até a semana que vem, se Deus permitir.
Sambaquy

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