domingo, 26 de agosto de 2012

UMA PERGUNTA QUE NÃO TEM RESPOSTA.


Meus amigos, escrever essa coluna não é fácil, pois a cada semana devo abordar um tema referente ao nosso esporte e após cento e nove colunas a coisa fica bem difícil. Para me inspirar, procuro em minha memória temas vividos e que trariam lembranças aos dias atuais. E faço isso enquanto caminho pelo calçadão da Avenida Atlântica, aqui em Balneário Camboriú. Geralmente, são oito quilômetros entre a ida e a volta, que permitem que meu pensamento dê algumas voadas pelo tempo e pelo espaço.
Hoje, ao iniciar a minha jornada, procurei dar tratos à bola e fiz uma pergunta dificílima. Quem foi o inventor do futebol de mesa?
Confesso que já havia tentado decifrar esse enigma monstruoso, mas nunca me ative a detalhes sobre a sua criação e evolução. Ao voltar ao meu lar, abri meus arquivos e me pus a conferir todo o material que havia coletado.
Procurei um texto de autoria do botonista Enio Seibert, criador da Regra Unificada, onde apresenta uma foto feita em Londres, em 1910, remetida pelo sérvio Milos Krstic, na qual dois senhores aparecem diante de uma mesa, pela qual se pode observar dois times preparados para jogar. O impresso “LEADER” nos fornece a impressão de que os ingleses inventaram o futebol de campo e, possivelmente, a variante denominada futebol de mesa.
Enio Seibert (criador da Regra Unificada)
No mesmo texto há uma tese de Marcelo Coutinho, do Rio de Janeiro, cuja linha de raciocínio nos expõe:
- Numa época da humanidade em que não havia automóveis e aviões, onde as comunicações mundiais eram escassas, marinheiros teriam trazido da Europa, simultaneamente com o futebol de campo, entre 1900/1910, uma concepção rudimentar do jogo de futebol de botão, introduzindo-o nas cidades portuárias da costa brasileira.
Como os botões eram baratos e relativamente fáceis de conseguir, a adesão foi imediata e a garotada passou a divertir-se, praticando um futebol mais acessível do que o caríssimo futebol, cujas bolas, chuteiras, camisetas deveriam ser importadas, pois nada necessário à prática do futebol era fabricado em nossa terra. Marcelo acredita que os jogos teriam começado a ser disputados nas primeiras décadas do século passado, mais ou menos ao mesmo tempo, em vários lugares, o que leva a crer em uma geração espontânea, pois a idéia em si não é muito difícil de ser imaginada.
Em seu texto, o exímio botonista Enio continua divagando, afirmando que as primeiras partidas de futebol de botão foram jogadas sobre as calçadas, pisos de granítica, cerâmica ou mármore e assoalhados de madeiras das casas e, mais tarde, para as mesas de jantar das residências. Nelas, poderiam ser jogadas partidas, estando os botonistas em pé e não mais rastejando, agachados no chão, esfolando os joelhos e pernas, forçando a coluna vertebral, causando com isso dores nas costas.
Em muitos relatos escritos sobre o futebol de mesa, é afirmado que seu inventor foi Geraldo Décourt, como publicado na obra: Futebol de Botão, uma paixão nacional, de Marcelo Minuzzi.
Como tive a felicidade de privar da amizade de Décourt e com ele conviver durante algum tempo, muitas vezes abordamos esse assunto e, constrangido, afirmava que jamais gostaria de ser rotulado como o inventor desse esporte, uma vez que, aos dez anos de idade, conhecera os irmãos Higino e Francisco Magini, que o ensinaram o futebol de botões, tendo jogado pela primeira vez na escadaria da Rua Visconde de Paranaguá, onde morava no número 40. Depois, conseguiu sua primeira mesa envernizada e, em sua residência, organizaram campeonatos com Mario Salorenzo, José da Silva, Rudolf Langer, Oscar Vieira e Jaime Ferraz. Sua contribuição valiosa foi a confecção, em livreto, da Regra de Foot-ball Celotex, em 1930, regra essa vendida em banca de jornal e revistas. Cita ainda que, na época do celotex, Carlos Hélio Portugal da Cunha o impediu de ser tri-campeão carioca, vencendo-o por 3 x 1, jogando com perfeição e lealdade.

Foi nessa mesma época que o carioca Getúlio Reis e Faria adquiriu um exemplar da regra e passou a utilizá-la em sua associação (Liga Carioca de Futebol de Botões), onde vários rapazes disputavam ferrenhos campeonatos. Um desses rapazes era o conhecidíssimo Costinha, exímio botonista. Getúlio sempre alimentou o desejo imenso de conhecer Décourt, coisa que aconteceu somente cinquenta anos depois de haver adquirido o exemplar da regra publicada, em um encontro no Rio de Janeiro, onde os dois botonistas defrontaram-se na Regra Brasileira, pois Getúlio foi um dos primeiros a aderir a ela. Para Décourt ter condições de disputar essa partida, enviei-lhe uma seleção italiana, com botões azuis, chuteira branca e com o distintivo italiano.
Defendendo a tese da geração espontânea que Marcelo apresentou, vamos observar que em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no ano de 1941, Lenine Macedo de Souza cria a Sociedade General Lima e Silva, com uma dezena de rapazes.
No Rio de Janeiro, o jornalista Fred Mello, em 1945, cria a regra que ficou conhecida como leva-leva (toque-toque com número ilimitado de toques), ainda hoje praticada em jogos não oficiais.
Em 1961, o mesmo Lenine Macedo e Souza, criador da Regra Gaúcha, funda a primeira organização reconhecidamente voltada ao futebol de mesa, denominada Federação Riograndense de Futebol de Mesa. Num esforço incomum, Lenine ajuda a criação da Federação Paulista e a Federação Mineira no ano seguinte, tentando introduzir a Regra Gaúcha, sem obter sucesso.
Nessa foto estão Lenine Macedo de Souza, um menino e Clair Marques.
Se, em 1961, é criada a Federação Riograndense, em 1962 é criada a Liga Baiana de Futebol de Mesa, que reuniu os diversos clubes de bairros de Salvador em uma associação que regulava as competições. Isso nos leva a crer que o futebol de mesa baiano era disputado há algum tempo. Em 1962, as mesas eram idênticas às atuais da Regra Brasileira. Pouco tempo depois, começou a disputa dos torneios denominados Nordestões, que reuniam diversas entidades estaduais em um local, tendo o primeiro sido vencido pelo baiano Webber Seixas, de saudosa memória.
Se realmente o futebol de mesa veio até nós, através de marinheiros, podemos afirmar, sem dúvida alguma, que nosso esporte é centenário, pois a primeira publicação que conhecemos data de 1910, através do impresso “LEADER”, convocando os britânicos para um campeonato. Sabemos que o futebol de mesa está forte e vibrante na Europa, Ásia e América, mas desconhecemos a sua origem, o seu nascimento, a primeira pessoa que teve a brilhante idéia de imaginar o futebol sendo jogado com botões. Se essa pessoa imaginasse a grandiosidade que essa invenção ganharia no decorrer do tempo, com certeza teria patenteado a invenção, fazendo com que seus descendentes se tornassem milionários.
Por essa razão, defendo a variedade de maneiras de praticá-lo, pois é um esporte que, apesar de ser conhecido internacionalmente, é cometido regionalmente de formas diversas. Se enumerássemos todas as regras aplicadas somente em nosso país, com certeza ficaríamos abismados com o seu número. Por isso, eu acredito que a alegria que temos exercitando o “nosso futebol de mesa” não deve ser contestada por ninguém, pois cada um é feliz a sua maneira.
Nessa foto estão Geraldo Cardoso Décourt, Antonio Maria Della Torre (presidente da Federação Paulista de Futebol de Mesa) e eu.
E é feliz quem joga botão, pratica futebol de mesa, vibra e sofre com suas vitórias e derrotas e, sobretudo, faz amigos que se tornam irmãos. Que o futebol de mesa continue para todo o sempre, e que um dia possamos descobrir quem foi o grande benfeitor que o inventou, pois hoje é uma pergunta sem resposta.
Até a semana que vem, se Deus assim permitir.

2 comentários:

  1. Meu caro Sambaquy. Minha experiência com o futebol de botão surgiu logo após a 2ª Guerra Mundial, em 1946, quando vi dois amigos mais velhos (Aloísio Portela e Tota Virães) jogando num pequeno campo sobre uma mesa. Os botões eram de capa e tinham nomes em suas superfícies esritos a tinta. Um nome ficou até hoje gravado na mente: Sidinho - back direito do Santa Cruz (time de Tota). O time de Aló era o Náutico. A regra era leva-leva, o goleiro de caixa de fósforos e a bola era um botão esférico de madrepérola, chamado de conta de colar de mulher. Na época, também, apareceram os botões de chifre e um outro amigo (de nome Ivan) - cabo do Exército jogava com o irmão Iran, num campinho de celotex (quadro de avisos utilizados nas escolas). Os botões eram pequenos, mas tinha um que se destacava dos demais e tinha um nome inusitado: Espalha brasa.
    Resumindo sobre o tema: Aqui em Pernambuco, o botão surgiu no final dos anos 30 e teve sequência nos anos pós-guerra. Uma coisa é certa: as bolas eram esféricas (vassourinha de botão, contas de colar feminino, cortiça). O nome celotex, creio, se deve ao campo de jogo (quadro de avisos utilizados nas escolas). Portanto, meu caro Sambaquy, vai ser dificil descobrir a origem. Mas vale o esforço e a dedicação. Viva o botão!

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    1. Meu amigo Abiud,
      Somos contemporâneos no tocante ao conhecimento do futebol de mesa, pois eu o conheci em 1947. De lá até agora muita água rolou por debaixo da ponte. Quanto a bolinha esférica tipo contas de colar feminino, eu possuo uma, que ganhei de Décourt, utilizada por ele na época do celotex.
      O tempo em si é empolgante e dará muito pano para manga, pois acredito que jamais saberemos quem inventou, mas continuaremos para sempre jogando e gostando cada vez mais de nosso esporte.
      Viva o botão e receba o meu abraço.

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