Meus
amigos, o tema de hoje não é futebol de mesa. É sobre o
preconceito que existia há algum tempo em nosso futebol.
Sou
natural de Caxias do Sul, cidade colonizada por italianos, todos
claros. E assim foi nos primeiros tempos, até aparecerem escravos
libertos pela Lei Áurea.
E o
futebol de Caxias, segundo História de Caxias do Sul (4º tomo)
de João Spadari Adami e Assim na Terra como no Céu de
Francisco Michielin, mostram que a criação do Juventude, clube
pioneiro ainda em atividade foi composta por arianos. Em uma foto da
primeira equipe do Juventude estava constituída por João Sambaquy
(técnico), José Grossi, Adelmar Reis, Otávio reis, ajoelhados
Carlos Zachera, Oswaldo Ártico (Mirim) e Francisco Frosi, sentados:
João Costamilan, Francisco Chiaradia (Nico), o inglês Tibits,
Honorino Sartori e Guido Chitolina.
Esse é o 1º time do Juventude, de 1913. O de gravatinha borboleta é tio do meu pai. |
Como eu
iniciei a acompanhar o futebol em 1947, o primeiro negro que vi jogar
foi o Machado, centro médio do Flamengo (hoje Caxias). E como jogava
o Machadinho, era um mestre regendo uma orquestra. Naquele ano, foram
os campeões da cidade e me tornei torcedor flamenguista, desde
então.
Flamengo, glorioso campeão de 1947, com Machado o único
pretinho do time
|
Mais
tarde, surgiram vários jogadores negros que marcaram suas
trajetórias em terras caxienses e que estão guardados no coração
dos velhos torcedores das duas equipes que restaram no futebol
caxiense.
Em Porto
Alegre, por essa época reinava o Internacional, com o famoso Rolo
Compressor. A origem disso tudo foi, conforme escrito por Ruy Carlos
Ostermann, em seu livro, “Meu Coração é Vermelho”
que o clube haveria de ser agora um time de jogadores profissionais,
eleitos pela habilidade em jogar futebol, já não mais importando a
posição da família ou o registro do nome. Vinham jogadores das
ligas da periferia e traziam consigo os primeiros “torcedores”,
aficionados do futebol, dos melhores jogadores e que se afeiçoavam
ao clube que os recebia e lhes oferecia a camisa vermelha e branca.
Eram moradores de bairros pobres e, para eles, com certeza, o clube
estava assumindo um compromisso histórico de fidelidade. Eram
jogadores como foi Tupan, que jogava nos times da Liga da Canela
Preta e foi contratado pelo Internacional em 1934. E logo que podia
Tupan ia visitar seus amigos de bairro, bem vestido, paletó, calça
frisada, sapato branco e camisa de cores. Era a comprovação
deslumbrada do que o futebol poderia fazer por um garoto pobre, o que
emancipou o sonho de muitos deles e tornou o futebol ainda mais
popular. Tesourinha é quem conta que todos os jovens do Areal da
Baronesa, como ele, quando jogavam suas peladas queriam ser o “Tupan
do Internacional”. E os sonhos se realizaram. Com eles o Rolo
Compressor que reinou por muitos anos no Rio Grande do Sul,
conquistando os campeonatos e 1940, 41, 42, 43, 44, 45 sem tomar
conhecimento dos seus adversários.
Naquela
época, quando o Internacional ou o Grêmio iam jogar em Caxias, a
festa começava uma ou mais semanas antes. No dia do jogo, o pessoal
ia esperar a delegação com rojões. Os estádios se enchiam de
torcedores. Era uma festa imensa.
Entretanto,
como caxiense, guardo uma mágoa de um episódio acontecido num
desses anos. O Inter jogaria em Caxias e havia chegado antes, tendo
ficado hospedado em um hotel central. Tesourinha e Adãozinho
dirigiram-se a uma barbearia, ao lado do Cinema Central, na Praça
Dante Alighieri. Queriam barbear-se. Entretanto, o barbeiro lhes
barrou a entrada, afirmando que não atendia pessoas negras. Foi um
vexame, explorado pelas rádios e jornais da época. Fiquei
envergonhado com a atitude racista do barbeiro e nunca mais entrei em
sua barbearia.
O Grêmio,
também segundo Ruy Carlos Ostermann, no livro “Até à Pé nós
Iremos”, o clube conseguiu quebrar a barreira vergonhosa que
ostentava de nunca haver tido um jogador negro em suas fileiras. Era
o ano de 1951, e Natal Vanzelotti afirmava ao Rui: “Já era para o
Grêmio ter quebrado a tradição em 1949, quando nós fomos para a
América Central. Era para ter sido o Salvador, que estava recém
começando no Força e Luz. Não sei se ele ficou com medo, era para
ser o primeiro negro e quebrar a tradição no Grêmio. Aí veio o
Tesourinha, do Vasco. Estreou contra o Juventude, em Caxias. Foi o
maior número de ônibus de torcida para a Serra Gaúcha.
Tesourinha
não foi uma decisão fácil de concretizar. Ele havia deixado o
Vasco e estava com a família em Porto Alegre, treinando com seus
amigos do Nacional, na Chácara das Camélias e há três meses sem
jogar profissionalmente. Foi convencido por Aparício Viana e Silva,
num encontro demorado na Praça da Alfândega, e acenou, com
relutância e medo, concordando em seu o negro famoso que serviria,
por seu exemplo, para mudar a história do Grêmio. Sofreu muito com
essa decisão, pois torcedores que o adoravam quando jogador do Inter
jogavam pedras no telhado de sua casa, quebraram vidros, faziam
ameaças, diziam grosserias e ele esteve a ponto de desistir da
ideia. Mas, Saturnino Vanzelotti afirmou-lhe: - Você não vai me
fazer isso. Você tem palavra. Eu sempre disse que os de sua raça
eram melhores do que os outros. Você vai me desmentir? Diz-me o que
você precisa. Eu levo você para a minha casa, eu faço o que você
quiser.
O grande Tesourinha foi um dos maiores jogadores que o futebol do RGS já produziu |
Graças a essa determinação, acabou-se a triste sina que havia no
tradicional clube gaúcho, que até hoje enaltece uma grande
quantidade de atletas negros que honraram o manto tricolor: Everaldo,
Airton, Ortunho, Juarez, Alcindo, Tarcisio, Paulo Isidoro.
Então,
para culminar as palavras da Saturnino Vanzelotti, surgia um 10
negro, que seria o maior de todos os futebolistas do mundo. O Rei do
Futebol: Pelé.
Até a
semana que vem, se Deus permitir.
Meu caro Sambaquy. Aqui em Pernambuco não foi diferente. O Santa Cruz que está fazendo hoje, dia 3 Fev, 100 anos de existência, foi o 1º clube, desde a fundação, a ter um negro (mulato) não só como jogador, mas como sócio fundador, Lacraia (funcionário do Banco do Brasil). Daí toda a popularidade do Tricolor. O Náutico, até os anos 50, não tinha negros, daí o nome Aristocráticos, mas a falta de títulos, trouxe o treinador Gentil Cardoso. O presidente mais famoso, Eládio de Barros Carvalho, era preconceituoso ao extremo e vetava qualquer contratação de jogadores de cor. Na campanha do hexa, nos anos sessenta, o centro avante Nino, era da base e bem moreno. Quando ele subiu para o profissional, Eládio indagou: "oi, quem é aquele negrinho, quem o contratou?" Ainda bem que um dirigente safo, quebrou o galho, afirmando: "Dr. Eládio, não é negrinho não. O rapaz é de Olinda e leva a vida tomando sol na praia. Tinha que ficar escuro.". Abração pernambucano,
ResponderExcluirLH.ROZA...
ResponderExcluirParabéns por abordar com ricos detalhes, mais uma página da história do futebol gaúcho.
Complementando quero deixar aqui registrado, que o meu XAVANTE, o Grêmio Esportivo Brasil-Pelotas-RS, muito nos orgulhamos de em tempos passados, sermos chamados de "OS NEGRINHOS DA ESTAÇÃO" visto que o 1º local em que efetuava seus jogos, foi no campo da hoje Av. Brasil no bairro João Simões Lopes, localizado atraz da Estação Ferroviária..que mais tarde viria ser a casa do Clube Atlético Bancário.
Bem creio que esteja lhe repassando dados, para futuros comérios de tantos outros CLUBES de nossa querida "querência amada"...
1 forte abç.
Meus amigos Abiurd e Roza,
ResponderExcluirFiquei sem a minha máquina por três dias e ao abrir agora vejo comentários que acentuam a minha preocupação sobre esse assunto tão delicado. Felizmente as pessoas estão compreendendo que somos todos filhos de um Pai Maior, independente de cor da pele. Graças a Deus temos o Rei do Futebol brasileiro e reverenciado no mundo inteiro.
Um abraço a vocês que se manifestam sempre.
Querido Sambaquy, é sempre uma delícia ler as histórias que trazes. As antigas então! Eu posso não aparecer muito, mas te acompanho e admiro. Um abraço!
ResponderExcluirAninha,
ExcluirFico feliz por saber disso, pois para mim é como se o teu pai estivesse tomando conhecimento de tudo aquilo que escrevo. E sempre iria colaborar com alguma idéia nova. Abraço minha linda menina.