segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O PRECONCEITO RACIAL NO FUTEBOL

Meus amigos, o tema de hoje não é futebol de mesa. É sobre o preconceito que existia há algum tempo em nosso futebol.
Sou natural de Caxias do Sul, cidade colonizada por italianos, todos claros. E assim foi nos primeiros tempos, até aparecerem escravos libertos pela Lei Áurea.
E o futebol de Caxias, segundo História de Caxias do Sul (4º tomo) de João Spadari Adami e Assim na Terra como no Céu de Francisco Michielin, mostram que a criação do Juventude, clube pioneiro ainda em atividade foi composta por arianos. Em uma foto da primeira equipe do Juventude estava constituída por João Sambaquy (técnico), José Grossi, Adelmar Reis, Otávio reis, ajoelhados Carlos Zachera, Oswaldo Ártico (Mirim) e Francisco Frosi, sentados: João Costamilan, Francisco Chiaradia (Nico), o inglês Tibits, Honorino Sartori e Guido Chitolina.
Esse é o 1º  time do Juventude, de 1913. O de gravatinha borboleta é tio do meu pai.
Como eu iniciei a acompanhar o futebol em 1947, o primeiro negro que vi jogar foi o Machado, centro médio do Flamengo (hoje Caxias). E como jogava o Machadinho, era um mestre regendo uma orquestra. Naquele ano, foram os campeões da cidade e me tornei torcedor flamenguista, desde então.

Flamengo, glorioso campeão de 1947, com Machado o único pretinho do time
Mais tarde, surgiram vários jogadores negros que marcaram suas trajetórias em terras caxienses e que estão guardados no coração dos velhos torcedores das duas equipes que restaram no futebol caxiense.
Em Porto Alegre, por essa época reinava o Internacional, com o famoso Rolo Compressor. A origem disso tudo foi, conforme escrito por Ruy Carlos Ostermann, em seu livro, “Meu Coração é Vermelho” que o clube haveria de ser agora um time de jogadores profissionais, eleitos pela habilidade em jogar futebol, já não mais importando a posição da família ou o registro do nome. Vinham jogadores das ligas da periferia e traziam consigo os primeiros “torcedores”, aficionados do futebol, dos melhores jogadores e que se afeiçoavam ao clube que os recebia e lhes oferecia a camisa vermelha e branca. Eram moradores de bairros pobres e, para eles, com certeza, o clube estava assumindo um compromisso histórico de fidelidade. Eram jogadores como foi Tupan, que jogava nos times da Liga da Canela Preta e foi contratado pelo Internacional em 1934. E logo que podia Tupan ia visitar seus amigos de bairro, bem vestido, paletó, calça frisada, sapato branco e camisa de cores. Era a comprovação deslumbrada do que o futebol poderia fazer por um garoto pobre, o que emancipou o sonho de muitos deles e tornou o futebol ainda mais popular. Tesourinha é quem conta que todos os jovens do Areal da Baronesa, como ele, quando jogavam suas peladas queriam ser o “Tupan do Internacional”. E os sonhos se realizaram. Com eles o Rolo Compressor que reinou por muitos anos no Rio Grande do Sul, conquistando os campeonatos e 1940, 41, 42, 43, 44, 45 sem tomar conhecimento dos seus adversários.
Naquela época, quando o Internacional ou o Grêmio iam jogar em Caxias, a festa começava uma ou mais semanas antes. No dia do jogo, o pessoal ia esperar a delegação com rojões. Os estádios se enchiam de torcedores. Era uma festa imensa.
Entretanto, como caxiense, guardo uma mágoa de um episódio acontecido num desses anos. O Inter jogaria em Caxias e havia chegado antes, tendo ficado hospedado em um hotel central. Tesourinha e Adãozinho dirigiram-se a uma barbearia, ao lado do Cinema Central, na Praça Dante Alighieri. Queriam barbear-se. Entretanto, o barbeiro lhes barrou a entrada, afirmando que não atendia pessoas negras. Foi um vexame, explorado pelas rádios e jornais da época. Fiquei envergonhado com a atitude racista do barbeiro e nunca mais entrei em sua barbearia.
O Grêmio, também segundo Ruy Carlos Ostermann, no livro “Até à Pé nós Iremos”, o clube conseguiu quebrar a barreira vergonhosa que ostentava de nunca haver tido um jogador negro em suas fileiras. Era o ano de 1951, e Natal Vanzelotti afirmava ao Rui: “Já era para o Grêmio ter quebrado a tradição em 1949, quando nós fomos para a América Central. Era para ter sido o Salvador, que estava recém começando no Força e Luz. Não sei se ele ficou com medo, era para ser o primeiro negro e quebrar a tradição no Grêmio. Aí veio o Tesourinha, do Vasco. Estreou contra o Juventude, em Caxias. Foi o maior número de ônibus de torcida para a Serra Gaúcha.
Tesourinha não foi uma decisão fácil de concretizar. Ele havia deixado o Vasco e estava com a família em Porto Alegre, treinando com seus amigos do Nacional, na Chácara das Camélias e há três meses sem jogar profissionalmente. Foi convencido por Aparício Viana e Silva, num encontro demorado na Praça da Alfândega, e acenou, com relutância e medo, concordando em seu o negro famoso que serviria, por seu exemplo, para mudar a história do Grêmio. Sofreu muito com essa decisão, pois torcedores que o adoravam quando jogador do Inter jogavam pedras no telhado de sua casa, quebraram vidros, faziam ameaças, diziam grosserias e ele esteve a ponto de desistir da ideia. Mas, Saturnino Vanzelotti afirmou-lhe: - Você não vai me fazer isso. Você tem palavra. Eu sempre disse que os de sua raça eram melhores do que os outros. Você vai me desmentir? Diz-me o que você precisa. Eu levo você para a minha casa, eu faço o que você quiser.
O grande Tesourinha foi um dos maiores jogadores que o futebol do RGS já produziu
Graças a essa determinação, acabou-se a triste sina que havia no tradicional clube gaúcho, que até hoje enaltece uma grande quantidade de atletas negros que honraram o manto tricolor: Everaldo, Airton, Ortunho, Juarez, Alcindo, Tarcisio, Paulo Isidoro.
Então, para culminar as palavras da Saturnino Vanzelotti, surgia um 10 negro, que seria o maior de todos os futebolistas do mundo. O Rei do Futebol: Pelé.


Até a semana que vem, se Deus permitir.

5 comentários:

  1. Meu caro Sambaquy. Aqui em Pernambuco não foi diferente. O Santa Cruz que está fazendo hoje, dia 3 Fev, 100 anos de existência, foi o 1º clube, desde a fundação, a ter um negro (mulato) não só como jogador, mas como sócio fundador, Lacraia (funcionário do Banco do Brasil). Daí toda a popularidade do Tricolor. O Náutico, até os anos 50, não tinha negros, daí o nome Aristocráticos, mas a falta de títulos, trouxe o treinador Gentil Cardoso. O presidente mais famoso, Eládio de Barros Carvalho, era preconceituoso ao extremo e vetava qualquer contratação de jogadores de cor. Na campanha do hexa, nos anos sessenta, o centro avante Nino, era da base e bem moreno. Quando ele subiu para o profissional, Eládio indagou: "oi, quem é aquele negrinho, quem o contratou?" Ainda bem que um dirigente safo, quebrou o galho, afirmando: "Dr. Eládio, não é negrinho não. O rapaz é de Olinda e leva a vida tomando sol na praia. Tinha que ficar escuro.". Abração pernambucano,

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  2. LH.ROZA...
    Parabéns por abordar com ricos detalhes, mais uma página da história do futebol gaúcho.
    Complementando quero deixar aqui registrado, que o meu XAVANTE, o Grêmio Esportivo Brasil-Pelotas-RS, muito nos orgulhamos de em tempos passados, sermos chamados de "OS NEGRINHOS DA ESTAÇÃO" visto que o 1º local em que efetuava seus jogos, foi no campo da hoje Av. Brasil no bairro João Simões Lopes, localizado atraz da Estação Ferroviária..que mais tarde viria ser a casa do Clube Atlético Bancário.
    Bem creio que esteja lhe repassando dados, para futuros comérios de tantos outros CLUBES de nossa querida "querência amada"...
    1 forte abç.

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  3. Meus amigos Abiurd e Roza,
    Fiquei sem a minha máquina por três dias e ao abrir agora vejo comentários que acentuam a minha preocupação sobre esse assunto tão delicado. Felizmente as pessoas estão compreendendo que somos todos filhos de um Pai Maior, independente de cor da pele. Graças a Deus temos o Rei do Futebol brasileiro e reverenciado no mundo inteiro.
    Um abraço a vocês que se manifestam sempre.

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  4. Querido Sambaquy, é sempre uma delícia ler as histórias que trazes. As antigas então! Eu posso não aparecer muito, mas te acompanho e admiro. Um abraço!

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    1. Aninha,
      Fico feliz por saber disso, pois para mim é como se o teu pai estivesse tomando conhecimento de tudo aquilo que escrevo. E sempre iria colaborar com alguma idéia nova. Abraço minha linda menina.

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