domingo, 22 de janeiro de 2012

UM DIÁRIO NO TEMPO


Há quarenta e cinco anos passados, terminava a nossa exitosa temporada em terras baianas. Ghizi e eu saímos do Rio Grande do Sul rumo à Boa Terra nos primeiros dias do ano de 1967, chegando a Salvador no dia sete, mais precisamente à noite. Foi exatamente na época em que havia sido trocado o nome da rua em que o Oldemar morava. Antigamente, ela se chamava Estrada da Rainha e, posteriormente, Rua J. E. Silva Lisboa. Ao tentarmos explicar ao taxista onde desejávamos desembarcar, surgiu uma grande dificuldade, pois ele não conhecia o local e perguntando aos demais, ninguém sabia onde ficava a tal rua.
Depois de algum tempo, arrisquei a sugestão de indicar o nome antigo: Estrada da Rainha. Clareou tudo na cabeça dele. Era perto dali. Em questão de minutos, depois de dois dias inteiros dentro de ônibus, desembarcamos na frente de uma casa, número 48 na Estrada da Rainha. A grande maioria dos botonistas estava por lá, aguardando-nos.
Nossa missão era a de apresentar o nosso projeto de regra, mas a ânsia dos baianos era a de conhecer os gaúchos do sul do Brasil. Muitos não acreditavam que havíamos nos deslocado do sul do país para jogar botão com eles. Convites choviam de todos os clubes baianos. Afinal o futebol de mesa era o maior esporte da Bahia, pois não havia Campeonato Brasileiro e o futebol na Bahia enfrentava cisões, tendo inclusive o Ademar Carvalho de denominar seu time de Vitorinha, pois o Vitória estava em pé de guerra contra tudo e contra todos. No dia oito começamos a jogar, aprendendo a dominar os botões lisos, já que jogávamos com botões puxadores. Nós dois recebemos times de presente, mas a dificuldade era enorme. Estranhávamos os botões, a mesa que era muito lisa, a bolinha e, sobretudo, a regra. Havia algumas coisas na regra baiana que, contadas hoje, são motivos de risadas. Uma delas era o famoso carrinho. Você colocava a bolinha entre dois botões seus, preparando para arrematar ao gol e o adversário vinha com um botão e deslocava o seu, sem encostar na bolinha. Para nós era falta. Para eles, chamava-se carrinho e o juiz com um medidor verificava se a distância entre o botão que bateu e o botão batido não tivesse sido ultrapassada, fazendo com que a jogada continuasse normalmente. Além de outras que foram abolidas quando a Regra Brasileira foi confeccionada definitivamente.
Do dia oito até o dia 22 de janeiro conhecemos todos os clubes da Bahia. Liga Baiana, Liga de Brotas, Liga Brasil, Liga JM, além de visitar figuras importantes que praticavam o nosso esporte. Andamos jogando em cidades como Santo Amaro da Purificação, onde joguei com Amauri Alves e Cesar Costa; visitamos a Refinaria Landulfo Alves, em Mataripe; lá, joguei contra o engenheiro Mariano Salmeron Neto. Aliás, foi contra ele a minha primeira vitória na Boa Terra.
Conhecemos pessoas de todas as classes sociais. Visitamos clubes pobres e clubes ricos.
Mas, devo destacar uma pessoa humilde que nos visitou, na casa de Oldemar Seixas, chamada Armando Passos. Pela sua maneira simples, suas vestes surradas, podia notar-se que era de poucas posses. Veio nos visitar e com o seu time em uma caixinha fez questão de jogar conosco. Não era um expoente, pois empatamos em 1 x 1. Ao final da partida, tirou de sua caixinha um cartão escrito e uma medalha e me ofertou. O cartão continha:” Ao Sambaquy pelo seu trabalho para divulgar o futebol de mesa. Homenagem de Armando Passos. 13/1/1976.” Fiquei emocionado com o gesto daquele amigo e guardo até hoje com carinho a sua homenagem.
No dia 19 de janeiro, Oldemar nos levou até a residência do Dr. Elias Morgado, Juiz de Direito de Salvador. Ele nos recepcionou como se fôssemos grandes desportistas, com direito a um magnífico jantar, servido com luxo e esplendor. Ao final do jantar, fomos convidados a jogar com o Dr. Elias. Ao término, nova homenagem, dessa vez em forma de uma figa baiana, com um cartão escrito de próprio punho pelo eminente juiz. Dizia: Ao “Samba”. Segundo o sadio desportista Oldemar Seixas você já é baiano honorário. E não poderia deixa de sê-lo, pois você tem “samba” no próprio nome. Não deixe de acreditar na pequena figa anexa, por que, como dizem os espanhóis – “Yo no creo em brujas, pero que las hay, hay”. Salvador, janeiro, 19, 1967 Elias Morgado Filho.
Tenho essas duas preciosidades entre os meus troféus, emoldurados, guardados com o carinho que conservo meus pertences.
Devo dizer que guardo no coração todas as recepções que tivemos nessa terra que amo com saudade. Em cada casa que visitávamos nos era servida a tradicional comida baiana. Com certeza eu nunca usei da pimenta oferecida, mas meu companheiro de viagem, afrontado que foi pelo Ademar Carvalho, na casa do Roberto Dartanhã, disse: - Gaúcho não perde para baiano. Eu vou usar essa pimenta.
Não é necessário dizer que houve um silêncio sepulcral na sala. Ninguém mais falou. Todos olhando para o corajoso gaúcho que salpicou a comida que levaria a boca com uma gotinha da pimenta. Até as cozinheiras vieram para a porta da sala. Todos os olhos fixos naquele intrépido filho dos pampas. Colocada a comida na boca, mastigada, um vermelho mais forte do que a camisa do Inter cobriu a sua face. Ghizi, que pela primeira vez entrara naquela casa, levantou-se e saiu correndo rumo à cozinha pedindo água. Foi pior, pois a pimenta se multiplicou várias vezes. O resultado foi uma semana correndo ao banheiro e sempre com um rolo de papel higiênico na mão. O farmacêutico de perto da casa do Oldemar ficou feliz, pois vendeu o estoque de remédio contra diarréia.
Na mesma rua, morava o senhor José Aurélio, o mais famoso fabricante de botões da Bahia. Uma pessoa maravilhosa que, juntamente, com sua esposa, não sabiam o que fazer para nos agradar. Só que nunca permitiu que passássemos da sala para a sua oficina. Seu segredo era guardado a sete chaves e foi com ele para o mundo dos espíritos.
Dia 22 de janeiro, a minha última partida foi contra Nelson Carvalho, uma das pessoas mais amáveis que encontrei na Bahia. Era genro do eterno presidente da Liga Baiana, o famoso José de Souza Pinto, que nunca foi botonista, mas estava sempre de terno e gravata presidindo as sessões da entidade.
Quarenta e cinco anos se passaram. Muitos já partiram desse mundo, outros desapareceram do mundo botonístico, ficando somente a saudade de um tempo em que deveria ter sido marcado em um diário, pois seriam eternizadas todas as visitas feitas naqueles dias em que ousávamos pensar em criar uma regra para todos os brasileiros jogarem botão.
Hoje, podemos comemorar os quarenta e cinco anos da Regra Brasileira, dos 38 campeonatos brasileiros realizados, da união que ligou brasileiros de todos os quadrantes em torno de uma mesa, fazendo amizades incríveis que perduram e vão continuar amalgamadas enquanto vivermos. Mais cinco anos e teremos de realizar uma grande festa em nível nacional: o Cinquentenário de nossa Regra Brasileira.
Até a semana que vem, se Deus assim permitir.
Sambaquy

4 comentários:

  1. LH.ROZA...
    MEU IRMÃO FUTMESISTAS !!!

    ACOMPANHANDO SUAS NARRATIVAS, VENHO SUGERIR-LHE QUE DEVAS DAR INÍCIO A MONTAGEM DE UM LIVRO.

    POIS ESSA "GURIZADA" DE AGORA QUE JÁ ESTÃO NOS DANDO TANTAS ALEGRIAS,TERÃO O QUE REPASSAR PARA SEUS PROXIMOS SEGUIDORES.

    ATÉ + 1 ABS.

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  2. Amigo Roza,
    A idéia está em andamento. O presidente da AFM, Rogério Prezzi está encarregado de coletar preços de impressão e fazer a arte para o livro que vai narrar muito de minha vida e minha experiência no futebol de mesa.
    Quem sabe até o final do ano possamos estar com ele pronto para que cada botonista saiba um pouco mais dos tempos pré-históricos de nosso esporte.
    Abraço

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  3. LH.ROZA...
    BOM DIA !!!
    Embora para variar aqui em JOINVILLE, adivinhe, esta uma chuvinha miuda daquelas de molhar "bobo"...
    Mas o que nos faz voltar ao seu "BLOG", é o prazer de tambem encontra-lo postando suas interminaveis e ilustrativas narrativas.
    Ontem navegando nos demais sites espalhados por esses "PAGOS", o encontramos no "EL MINUANO".
    Até + 1 forte abraço

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  4. Amigo Sambaquy, parabéns e muito obrigado! Graças a você, Ghizi, Oldemar e Dartanhã o futmesa se tornou este esporte maravilhoso que praticamos hoje. Se me permite a comparação, aproveitando a coincidência do nome Dartanhã, vocês quatro são "Os Três Mosqueteiros" do Futebol de Mesa Brasileiro!

    Grande abraço!

    Rangel.

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